09 novembro, 2009

RIPS

Num mês em que se lembraram no blog John Peel e António Sérgio achei por bem mencionar uma grande compositora que nos deixou muito recentemente e cuja obra não foi aqui rememorada.

Maryanne Amacher (1938-2009)

Muito afeiçoada ao termo “terceiro ouvido” explorou dinamicamente música que provocasse emissões otoacústicas perceptíveis ("ilusões" psicoacústicas de distorção de frequência, neste caso) de modo a estas interagirem ao nível do ouvido externo com a música que vai sendo recebida. Não será imediatamente assimilada por todos mas uma audição atenta e dinâmica (sem auscultadores nem mp3) consegue criar efeitos aurais inesperados e belos. Criou ainda algumas instalações que recorreram à transmissão via rádio de sons capturados distantemente, usando esse mesmo meio para a difusão do trabalho até ao público.

Em geral, a profundidade e densidade textural da sua música não transfere muito bem para disco – razão pela qual muito pouco existe editado, apenas dois álbuns em nome próprio (“Sound Characters (Making the Third Ear)” e “Sound Characters 2 (Making the Sonic Scapes)” ambos na Tzadik) e uma ou outra faixa em compilações (incluindo faixas nas 3 compilações de drone editadas pela americana Asphodel). A sua música é melhor apreciada ao vivo ou em instalação numa total imersão sonora e circulação livre do ouvido. Esteve em Serralves em 2002 para uma instalação e performance na Casa – quem lá esteve nunca mais se esqueceu.

No Youtube é possível ver excertos de um documentário que relata a colaboração que efectuou com Thurston Moore aqui – provavelmente uma má ideia de emparelhamento mas dá para vê-la em acção. Ligando ao parágrafo anterior e ao que se disse atrás sobre a incapacidade de transferir a sua música para disco, não me parece que o som via youtube lhe faça muita justiça (perdendo-se toda a densidade).

Mais informação em: maryanneamacher.org.

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Aproveitando o tema gostava ainda de destacar outros dois grandes compositores / músicos – que muito me dizem – que infelizmente nos abandonaram mais ou menos recentemente e cujas memórias não passaram por este blog.

Henri Chopin (1922-2008)

Surge regularmente associado aos movimentos da música concreta e poesia sonora tendo, contudo, transcendido, através do som, tais etiquetas. Trabalhou acima de tudo a voz humana e o mistério que esta encerra com recurso a vários microfones e manipulações de fita. Na música dele existe algo de gutural, físico e primal para lá de qualquer linguagem e forma de catalogação. É possível vê-lo (e ouvi-lo) como um pioneiro do noise como género “estabelecido” que veio muito depois (de Wolf Eyes a Peter Rehberg).

Se não me engano, alguém escreveu uma vez num fórum online que um peido de Pierre Henri era mais interessante que a grande maioria da música feita actualmente. Duplo sarcasmo que destaca a sua genialidade / originalidade como compositor mas também o seu uso do corpo e seus sons como matéria-prima para criações que apontam para um primitivo desconhecido.

Confiram a sua vitalidade, aos 84 anos, neste vídeo de 2005 (aqui) (a performance inicia-se aos 1.36 mins). Causa-me arrepios.

Para mais informação: henrichopin.com (em breve) e www.erratum.org

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James Tenney (1934-2006)

Na página da wikipedia a si dedicada lê-se que James Tenney é uma resposta aos críticos da estética de John Cage como caminho sem sentido e sem saída. Tenney partiu dos ensinamentos e composições de Cage (como alguém escreveu da “aleatoriedade” de Cage para a “imprevisibilidade” de Tenney), e não só, para criar um corpo de trabalho extraordinário baseado em orquestrações que lidam com séries harmónicas e relações entre tons (daí que muitos o considerem um espectralista), interacções electroacústicas, conceptualização estrutural e psicoacústica.

Para além de Cage outras influências óbvias permeiam a música de Tenney, sempre de forma assumida, nomeadamente através da dedicação do título de várias composições aos seus compositores favoritos (por ex. Edgar Varese ou Morton Feldman). Compôs para piano, cordas, electrónica e combinações pouco usuais de instrumentos. Os seus trabalhos iniciais para electrónica fazem parte das primeiras peças complexas e substanciais compostas especificamente para estes instrumentos por parte de um compositor americano – tendo sido um pioneiro no uso de composição algorítmica e modulação tímbrica por computador ou electrónica (famoso ficou também o seu uso de tons de Sheppard em composições como blocos de influência psicoacústica).

Apesar de gostar da quase totalidade dos discos que existem das suas composições, gosto particularmente das peças para cordas e percussão. A manipulação tonal – associada a um controlo apurado da dinâmica – levam-nas para territórios de uma espécie drone minimal.

De referenciar ainda que foi também um pioneiro na escrita sobre música especialmente no que diz respeito a escritos sobre cognição musical (com a sua influente tese de 1964 “META + Hodos: A Phenomenology of 20th-Century Musical Materials and an Approach to Form” a ser considerada por muitos como a primeira publicação a fundir psicologia, cognição e música).

A obra de James Tenney foi relativamente desconhecida fora dos meios académicos até há uns 20 ou 30 anos atrás. A sua influência em muitos músicos experimentais e compositores modernos é notória e assumida – num exemplo recente, os Sonic Youth interpretaram e gravaram uma das suas peças icónicas (“Having Never Writen a Note for Percussion”) no polémico disco duplo “Goodbye to the Twentieth Century”.

Para mais info: plainsound.org/JTwork.html

Nota: alguma da informação para a escrita destes curtos parágrafos partiu do artigo: "North American Spectralism: The Music of James Tenney" por Robert A. Wannamaker – uma excelente (embora breve) leitura para quem quiser saber mais em detalhe sobre a sua vida e obra. Basta procurar o título no google.

2 Comments:

At 11.11.09, Blogger Mário Brun-u-ron said...

infelizmente a acrescentar o baterista Jerry Fuchs como vim a saber pelo istonaoeumafestaindie .blogspot.com/2009/11/long-live-jerry-fuchs.html

 
At 11.11.09, Blogger ::Andre:: said...

Luís, ainda não parei para ler isto em condições, mas vou sem dúvida investigar a Maryanne...

 

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