Crónica de um envelhecimento anunciado
Tenho vinte e seis anos e temo bem que por estes dias me esteja a tornar num adulto.
As noites mal dormidas no campismo dos festivais começam a tomar os contornos de verdadeiras cargas de porrada e as minhas venues preferidas para concertos são cada vez mais as que dispõem de lugares sentados. Já não marco lugar na primeira fila horas antes dos espectáculos uma vez que a ideia do headbanging agarrado às grades com a bexiga prestes a transbordar não se me afigura tão atractiva como há alguns anos, e até – loucura – vou frequentando um ou outro concerto de sonoridades menos dadas ao cabeceamento da atmosfera e à elevação dos indicadores e mindinhos em sinal de reverência ao Príncipe das Trevas.
Por este andar, e tomando como referência o percurso de algumas pessoas com idades próximas da minha que vou observando no dia-a-dia, porventura terei de deixar de ir a festivais de música para me começar a preocupar com conseguir bilhetes para o espectáculo esgotado dos Deolinda no Coliseu. Muito provavelmente não poderei vestir a minha t-shirt dos Venom quando visitar um fancy restaurante japonês com um grupo de outros adultos, todos sorrindo em sintonia a fazer de conta que o sushi não é algo absolutamente intragável (*). Receio também que não me concedam um empréstimo a noventa e cinco anos para o carro e para a casa e para as férias de carnaval em Andorra se eu aparecer na agência bancária com um colete repleto de patches de Burzum e Darkthrone. E admitamos que, para um indivíduo que queira ser levado a sério pelos seus camaradas estudiosos do Scrabble e confrades do queijo Gruyère, não é aceitável pôr-se a ouvir um gajo como o Jus Oborn a pregar o seu evangelho narcosatanista quando há por aí música tão boa e inócua.
É óbvio que estou a exagerar. Mas confesso que por vezes tenho a sensação de que algumas pessoas têm uma vontade meio mórbida de se livrar da sua juventude o quanto antes, forçando um crescimento (envelhecimento?) que julgam que quem os rodeia espera deles, só porque chegaram aos vinte e cinco ou aos trinta anos. Estou a lembrar-me de um conhecido meu que, quando lhe perguntei porque não ia a um festival onde ia tocar uma das suas bandas preferidas, me respondeu com algo do género “Mas pensas que ainda tenho quinze anos ou quê?”. Ok douchebag, fica no sofá a ver o Master Chef. (**)
Desculpem lá o rant. No próximo fim-de-semana decorre o Vagos Open Air. Se me virem digam olá; sou o gajo com aspecto ligeiramente cansado mas a curtir à brava Morbid Angel. (***)
Obrigado ao pessoal incrível da Amplificasom pelo convite para escrever aqui, é uma honra.
(*) Nunca provei sushi, mas de certeza absoluta que é nojento. É peixe cru,porra !
(**) Ya, eu sei. O Master Chef até é porreiro.
(***) LIVING HARDCORE RADIKULT!
4 Comments:
Bela entrada caríssimo :)
Pagas-me o jantar se te convencer que sushi é realmente delicioso?
Combinado. Mas levo um pão com queijo no bolso, just in case.
A idade é uma gaita :P.
Tenho as costas de uma velhota (já confraternizo com elas na fisioterapia), mas por enquanto ainda aguento acampar e carregar com mochilas maiores que eu (e, dá sempre jeito, controlo os impulsos homicidas quando não me deixam dormir).
É o que se chama uma entrada a pés juntos ;)
Este post parece que foi escrito para mim, desde há algum tempo para cá tenho-me esquivado a este e aquele concerto, e a este e aquele festival... Se há uns anos tinha de ver esta ou aquela banda que tanto gostava, agora o facto de não ver os Opeth não me aborrece nem um bocadinho! Gosto mas ando a fugir ao "trabalho" que isso dá...
E a desculpa que tenho dado a quem insiste é essa mesma, que já não tenho idade... E a verdade é que os sintomas não enganam, tenho os ossos todos fodidos, reumatismo a dar com um pau, tou a ficar careca a uma velocidade vertiginosa, a barriga não só não desaparece como me dá a sensação de aumentar de dia para dia e os óculos recém adquiridos também não dão boas perspectivas :|
A verdade é que cada vez mais me apetece ver bandas alapado numa cadeira fofa, mesmo que sejam os Morbid Angel...
Parabéns pelo post e deixa-me dizer-te que és um grande mentiroso, eu dava-te uns 19 anos no máximo pá ;)
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