Fungologia musical
A música não é um cogumelo. Não aparece numa casa de banho por causa do excesso de humidade, nem no tronco de uma árvore por uma razão que desconheço e, como fim, não serve para fazer um molho de trás da orelha. Não é um elemento parasitário da nossa sociedade, mas uma bela simbiose da qual eu, admito, não me quero privar. Não surge, por isso mesmo, do ar, sem razão aparente. A música é uma expressão social, tanto quanto pessoal, ou não fosse o ser humano essencialmente comunicativo, um ser que vive em comunidade e em sociedade - e é assim que se desenvolve, por muito que a internet venha problematizar esta questão.
Não é, também, por acaso, que o contexto social acaba por ter um reflexo na música que um artista faz. Que o digam os Public Enemy, por exemplo, que os digam os Minor Threat de Ian MacKaye, e, de forma menos inflamada, que o digam, até, uns Black Sabbath, ou um Justin Broadrick.
Não será, igualmente, algo na água de Alec Empire, mentor dos Atari Teenage Riot, que o leva a fazer música como sempre fez e, agora, o leva a escrever um artigo como ESTE sobre o que está a acontecer em Londres, do qual posso destacar inúmeros momentos.
A falha, de que todos temos culpa, como sublinha bem Empire, é, para mim, tão simples que me faz confusão anunciá-la assim em tão parcas palavras, mas reconheço que fica em ausência uma explicação digna: falta reconhecer o lado social do homem; andamos a perder demasiado tempo a promover um individualismo liberal decadente.
Como bom problemetólgo, mais do que solucionólogo do ramo da politologia (aka, ciência política), essa disciplina profundamente fascinante, consigo reconhcer: a beleza da música, da arte, é a de não existir isolada, da mesma forma que eu, se falar sozinho, não estou a comunicar, pelo simples facto de não ser ouvido. Não há um eu na arte, quando é feita com alma, mais do que com cifrões. E também não há um nós. Há tudo o que está entre nós. Eu gostava de saber o será isso, por exemplo, na perspectiva dos Altar of Plagues, agora que o guitarrista vive em Londres.
11 Comments:
O lado social do homem, ou melhor, o sonho do socialismo falhou. E falhou porque do outro lado da barricada estava uma nação que nos dizia que cada um pode conseguir tudo o que quiser. Enquanto que do lado de cá se ia construindo um estado-social que necessitava desse lado social que falas, do outro lado vinham hossanas ao individualismo, ao culto do capital e da luxúria. Quando, há coisa de 4 anos, o Sócrates provocou uma crise mundial sem precedentes, o império de Bush declinava e com ele o modelo último da expressão da terra dos bravos e dos livres. Mas ao mesmo tempo, essa megalomania já havia afetado todo o mundo ocidental, de velhos a novos, de pobres a ricos. E essa doença tinha um sintoma muito grave, que ainda sem designação oficial, se poderá chamar de neo-nihilismo. O culto da vacuidade e do efémero degenera nesta violência gratuita por parte de uma juventude sem alma, sem referências, sem orientação e que se deleita a ver o mundo em chamas.
eu concordo com o Alec quando ele diz que esta corrida está a chegar ao fim. quando cada vez mais pessoas ficam prejudicadas com ela, menos jogam pelas suas regras.
sei que os assaltos e as pilhagens em Londres em nada se relacionam com as primeiras expressões de revolta, mas também me parece que isso é sintomático de algo.
eu não acho que o sonho do socialismo tenha falhado, até porque não houve nenhum, na , a ser posto em prática na forma de um estado - houve tentativas, mas estas, sim, goradas pela génese do estado, que não permite essa aproximação. pelo outro lado, a história enche-nos de provas de que esse sonho pode ser uma solução, e melhor, pode não ser um sonho.
sobre esse tema deixo aqui um artigo de Bruno Carvalho, onde fala de uma situação idêntica passada há uns aninhos na Venezuela: http://5dias.net/2011/08/10/caracazo-e-a-importancia-da-organizacao-revolucionaria/
A Europa do pös-guerra foi edificada segundo preceitos socialistas. Hoje tens paises, como Portugal, onde em certos casos não pagas um cêntimo para teres cuidados médicos. Mas o que falhou verdadeiramente no socialismo foi o homem, que tudo quer e exige do estado, sem lhe querer dar nada de volta. O socialismo não pode existir sem uma noção intrinseca de reciprocidade, coisa que a este egocentrismo modernaço não assiste, para citar um gordo conhecido
mas olha que eu acredito que o estado também não é recíproco para connosco. eu defendo que o estado, a existir, devia garantir a sobrevivência - ou então é tão social como eu sou nazi. claro, nisto há o negócio dos impostos e por aí fora, ok, jogo com isso, mas acredito, também, que a génese do estado não é verdadeiramente social. acho que a reciprocidade tem de existir não do homem para com o estado, uma ideia que não tem, sequer, um existência bem concreta.
O conceito de Estado tem como base o que se pode chamar de direito natural. O Estado não pode ser uma entidade abstrata porque, sendo laico, é constituido por leis humanas, logo falívis. Por isso, ele deve estar sempre sujeito a ser revisto e reconstruido. Se as coisas funcionassem pela lógica correta, coisas como a troika deveriam ser referendadas, pois trata-se da soberania de um povo. Mas, imaginando que tudo funcionaria assim, então pelo conceito da autoridade delegada, tu enquanto cidadão terias que respeitar essa autoridade. É evidente que quando olhamos para o mundo de hoje, é dificil conceber sequer a ideia de que devemos dar essa autoridade aos politicos que temos. Mas também não podemos ceder à lei de talião e jogar o mesmo jogo, como fugir aos impostos, dar empregos por cunhas, etc. A reciprocidade deve ser mútua. Tens um Estado, mas não tens pessoas, desde o comum cidadão às mais altas referências do estado, que se abstenha do conceito absoluto do direito privado e da liberdade individual.
exactamente, mas isso passa-se porque o estado não existe para nós, em boa verdade. posso dizer isto de uma forma parva, mas o estado só surge com a afirmação do capitalismo industrial, por haver uma necessidade de gestão económica maior do que até então. aliás, mesmo o conceito de nação só começou a ser difundido a partir daí.
é nesse sentido que digo que são ideia, puras e simples. e, para mim, ideias que não resultam.
Eu vejo o Estado como essencial, porque tu nunca vais ter pessoas suficientemente civilizadas para respeitar a tua privacidade. E é o estado que em primeira instância te vai providenciar essa segurança. Os fundamentos do Estado não são a gestão económica, mas sim a defesa dos direitos individuais, por paradoxal que isto soe na atualidade.
a civilização constroi-se com a vivência, e há provas antropológicas de que o estado não é essencial para assegurar o respeito dessa privacidade. acontece na Europa, acontece na Amazónia, acontece em Madagáscar, no México... no mundo inteiro.
o que não permite essa noção de civismo é um Estado que promove o consumismo e o esgotar dos recursos.
ou seja, é possível, mas nunca nos moldes em que fomos educados; é preciso jogo de cintura para perceber que estamos a bater numa tecla que não é boa para todos, mas sim para muito poucos. é que os custos destas parvoíces estamos nós, agora, a pagá-los; mas há uns quantos que ainda não pararam de o pagar e de quem o estado insiste esquecer-se, e ainda se fazem piadas, como reuniões de G8, para dizer que a dívida está do lado que os sustenta. mas pronto, como deves estar a perceber, eu jogo do lado completamente oposto desta barricada em que nos estão a enfiar.
E no espírito da reciprocidade, se o estado está em guerra (há séculos e contínua) contra as suas pessoas; porque não hão-de estas responder ao estado com guerra?
Não é o Estado que está em guerra com as pessoas.
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