O que tenho no meu iPod - Os Assassinos da Lua de Mel
Não tenho iPod. Aliás, tenho com o iPod a mesma relação que Bill Clinton tinha com o cannabis, fumou mas não inalou. Eu tenho um iPod mas não é meu. Ofereci-o à minha cara metade há uns dois anos mas este ano sou eu que ando com ele. É um daqueles Nano de 4Gb.
Durante a época eleitoral refugiei-me em casa dos meus pais durante os dias de reflexão. Aproveitei para pôr em dia todas as leituras de revistas velhas e anexos de jornais que por lá andam por casa e cheguei à conclusão que a pergunta que mais se repete hoje em dia é "o que é que tens no teu iPod?".
Como era época de reflexão aproveitei para reflectir no tema e na dificuldade que os jornalistas teriam para formular esta pergunta há uns anos atrás. No meu caso teriam que perguntar: "o que é que tu tens gravado numa cassete C60 para ouvir no teu walkman sony que tem o motor tão marado que não puxa as C90?".
Não quero de forma alguma parecer nostálgico mas havia algo de mágico na criação de uma MixTape numa cassete C60. A exposição que se tinha ao oferecer uma destas a alguém de quem se gostava é equivalente a andar nu na Rua de Santa Catarina à hora do almoço. Lembro-me de passar dias inteiros com dramas existenciais tais como se o Swimming Horses de Siouxsie & the Banshees deveria vir antes ou depois do Golden Brown dos Stranglers, ou se deveria incluir o More than this dos Roxy Music ou o Souvenir dos OMD (na altura era "pimba", mas o Souvenir acabava sempre por arranjar o seu espaço).
Em meados dos anos 80 andava eu numa dieta de Cure, Echo and the bunnymen, Joy Division e afins quando me ofereceram uma MixTape com um tema que nunca vou esquecer. Deep Space Romance de uma banda Belga chamada Honeymoon Killers/Les Tueurs de la Lune de Miel. Um tema sobre o caso amoroso entre o piloto automático de uma nave interestelar chamada Ariane e a Coronel Fifi la Fiévre.
Não me lembro de mais nenhum tema dessa compilação mas sei que pedi para me gravarem o album onde vinha esta faixa. Gravaram-me 2 discos, o LP Honeymoon Killers/Les Tueurs de la lune de miel e o EP Subtiled Remix. Era uma banda inacreditável, completamente diferente de tudo o que eu ouvia na época, liderada pelo par mais irreal que creio já ter visto, Yvon Vromman (pintor e jogador de póquer profissional, com um enorme nariz de bebedolas) e Véronique Vincent (modelo e jornalista). Nas teclas estava Marc Hollander dos Aksak Maboul e que mais tarde viria a ser o patrão da Crammed Records.
O album está recheado de temas fabulosos como o Decollage, Ariane, Laisse tomber les filles (original de Serge Gainsbourg) e Route Nationale 7 (original de Charles Trenet). O EP Subtitled Remix é composto por três reinterpretações em inglês de temas do LP.
Quando me deram esta cassete a banda já estava a acabar. Os discos eram de 81 e 83 e nunca mais gravaram nada. Antes destes já tinham gravado um outro LP (Spécial Manoubre) mas com outra formação, sem a Véronique.
A cassete acompanhou-me durante anos e a importância desta só a vim a reconhecer anos mais tarde, quando me apercebi que foi nessa data que o meu foco musical passou de Inglaterra para o eixo Bruxelas/São Francisco. Graças a esta cassete vim a conhecer bandas como Tuxedomoon, Minimal Compact, Residents, Wire (estes são Ingleses mas eram amigos do pessoal da Crammed em Bruxelas)...
Desde essa altura o tema Deep Space Romance passou a ser parte integrante de praticamente todas as minhas compilações até aos dias de hoje .
Assim, no meu Walkman Sony com motor marado roda uma cassete BASF de CrO2 com o LP Les Tueurs de la Lune de Miel e o EP Subtitled Remix. Já quase não se ouve por baixo de tanto ruido...
(para dizer a verdade encontrei o disco há tempos numas reedições da Crammed em CD e agora ouço-o no iPod Nano de 4Gb)
Nunca agradeci a cassete. Obrigado Paula.
... o album chegou a ser considerado o melhor album rock de sempre de uma banda Belga.
16 Comments:
Só depois de ter escrito isto é que vi que o baterista (o gajo mais à esquerda) é um sósia do Gerry McCann.
Não será só nostalgia, mas entendo tão bem o que dizes quando só mais tarde se identificam esses pilares (bandas) que te condicionam toda uma direcção e colheita de novos sons. Certamente todos temos os nossos pilares, e como tenho pensado mt nisto eu posso identificar igualmente algumas bandas que me condicionaram o meu universo musical para todo o sempre.
Façam o mesmo exercício, certamente vão perceber que o que vamos ouvindo é quase sempre influênciado por uma dita cuja bem lá no fundo, seja em vinil seja em k7 ou agora em mp3.
Alguns pilares meus:
Holy Terror - Mudou toda a minha percepção de thrash, não foi uma grande banda, não gravaram com um som que se possa dizer mediano sequer, poucos gostavam daquilo ao ponto de gostar ouvir isso mais do que uma vez e deixar os Sodom ou Kreator, mas aquela k7 e esta banda até hoje está guardada no meu top pilar. Ouvi mais slayer do que Holy Terror, mas é Holy Terror que me faz tremer por tudo o que eles fizeram e me condicionaram e não Slayer hoje em dia.
Kyuss - E que volta que esta banda deu ao meu universo. O lança chamas novamente foi o culpado.
Isis - Não preciso falar disto. Oceanic.
Tool - De Undertow até Lateralus foi aquela banda.
GYBE - Cortei muitas mas acho que GYBE foi o último grande pilar que me condicionou por onde ando agora.
Mais recentemente foram duas bandas que nada tem haver com estas sonororidades que me tem afastado mais do "metal", mas isso também sabe tão bem como base para relativizar no nosso percurso mais recente.
a,
Curioso, o meu Ipod (touch) tb não é meu!
O meu walkman sony muito sofreu e consequentemente eu muito sofri com o meu walkman sony. Oh naS, as k7 ainda andam por aí? Tinha uma emprestadada por um primo meu (olá tenente-coronel) com o master of puppets que rodou até à exaustão e nunca cheguei a devolve-la :s
E por falar em Kreator lembro-me que tinha uma C90 com o Terrible certainty de um lado e o Extreme aggression do outro!
O Master of Puppets é mesmo um clichê do caraças.
album of the year num lado, downward spiral no outro
Comigo também foi através de passagem de tapes que conheci muitas bandas e que comecei na onda do metal. Ainda me lembro do meu primo de gravar umas faixas de Samael e Pestilence e eu ficar maluco com aquela merda. Dai para a frente foi só fazer pesquisas e ir descobrindo coisas que gostava.
Já n compro tapes há uns 2 anos, mas ainda tenho muitas Demos de bandas de black metal underground que faziam as suas edições em tape, algumas são um excelente item de collecção.
Curiosamente, algumas dessas bandas que falaste, conheci na fase em que gostava de metal mais fdd, talvez devido a alguma saturação e necessidade de expandir os meus horizontes musicais :D
E aquele fenómeno a que chamo "tempo de audição repetida"? Se há 10 anos ouvia menos coisas mais vezes, isso tinha efectos secundários soberbos! Ainda hoje, quando ouço em mp3 ou cd o que tinha e k7, eu psicológicamente tenho um aperto de medula à espera que a música que não cabia na k7 foi decepada para sempre e foi esse print que ficou na memória para sempre! Lembro-me particuarmente da K7 de Holy terror,anacrusis ou cynic. Com o tempo, quando me apercebi deste efeito, passei a fazer fade out aos fins das K7, e esperava pelo fim da mesma, a ouvir e gravar e esperar. O ritual de gravar k7's tem o seu Q :)
Mas este fenómeno não tem haver com o suporte, tem haver com a tal audição repetida, mais mais recentemente um exemplo ja na geração do mp3, o álbum de katatonia de 2004 cujo promo tinha um gajo em overdub a dizer: This is katatonia's blablabla. Ouvi aquilo tanta vez que ainda hoje quando ouço o CD juro que fico à espera daquela voz. Outro exemplo recente é o novo álbum de Caspian, ouvi bastantes vezes o ripp de baixa qualidade, e mesmo com o CD, a minha mente ainda faz o play simultâneo.
O cérebro é uma pomada!
O texto está fenomenal e conseguiu causar-me arrepios...
Essa frase "A exposição que se tinha ao oferecer uma destas a alguém de quem se gostava é equivalente a andar nu na Rua de Santa Catarina à hora do almoço." é das coisas mais geniais e verdadeiras que ouvi nos últimos tempos...
Parabéns José!
Eu sendo já de outra geração (nao apanhei Samael em tape, e muito menos Holy Terror), apanhei ainda muito som em K7... E como eu gostava de fazer as compilações, quase semanais e já era eu que punha o som no autocarro sempre que havia uma visita de estudo...
O ritual da K7 parece-me mais puro e mais dedicado que agora clicar no "donwload" da net, além disso tinha-se menos acesso mas o tempo que ouviamos certo disco dava para realmente o absorver, coisa que não acontece hoje em dia.
Eu despertei para a música (a sério) com uma tape, original neste caso, com lyrics e artwork.
Era o In Utero que uma prima minha me emprestou. E o meu Grundig, cor-de-laranja rodou tanto essa k7 que ainda hoje lá deve estar.
Adriano, concordo completamente! Esse disco era o de 2006, The Great Cold Distance e ainda hoje quando ouço as músicas digo eu mesmo a frase do promo, ficou agarrada... O mesmo aconteceu com o Life Is Killing Me, de TON que sofria do mesmo efeito.
Depois há outros dois fenómenos que são fruto dessa mesma exposição.
Um é o disco de 2003 dos Nevermore, aquele que ficou tao mal misturado que a banda o reeditou passado uns anos. A produção original é péssima, é verdade. Mas hoje em dia considero que tem até um certo charme, e de tanto o ouvir prefiro esse ao disco bem masterizado.
Outro fenómeno é: Nunca repararam naqueles anúncios a compilações das televendas, com 3 ou 4 cds numa caixa?
Pois bem, eu ouvia tanto isso que hoje em dia, ainda misturo musicas, fruto da amostra que passavam na tv, de uns temas depois dos outros... :)
Fenómeno que se assemelha ao do cão do Pavlov.
Excelente post, mais uma vez parabéns :)
E gravar de tape para tape? Qd tive uma aparelhagem com 2 decks fiquei td contente lolol
José gosto bastante de ler os teus artigos porque trazem sempre nostalgia!
Lembro-me de estar a ouvir uma K7 que tinha várias bandas entre elas Portishead quando de repente na música ouço a voz do primo de uma amiga minha!! O sacana lá andou a brincar com o walkman e carregou no REC.
Por acaso também tinham o costume de ir a correr feito maluquinhos e por a k7 de video a gravar só porque estava a passar boa música no viva zwei, o próprio top + ou no programa do beavis and butt-head?
Xi compilações de VHS tb eram bacanas. Ainda me lembro de estar na rua e ir para casa às 00 pq ia começar a dar o programa de rock e metal daquela cota do VH1..a MTV tb tinha um programa porreiro de música pesada, qq coisa Ball :\
Acho que ainda ai tenho umas VHS com vídeoclips :D
Compilações em VHS... vou deixar esse tema para um próximo post. Não vai falhar!!!
Tiago... Na MTV era o Headbangers Ball. Em tempos apresentado pela Vanessa Warwick. Se procurarem bem na net agora aparecem umas fotos dela tipo senhora de negócios. :-D... o metal sempre foi o meu Guilty Pleasure/Trauma.
Eish compilações em VHS :D isso foi o fase seguinte.
Alguém tinha o video de watchtower ou confessor? :D
http://www.youtube.com/watch?v=Xm8OX0kgGSg
http://www.youtube.com/watch?v=EseW9DYGLTE&feature=related
O baterista de confessor ainda é uma ref. com aqueles pratitos :-) a voz não é para todos ainda hoje.
Vanessa Warwick? Ainda na terça-feira eu e o Silva nos lembramos dela... Mas acho que sou mais do tempo do Super Rock na MTV também apresentado por uma loira... Alguém se lembra?
Lembro-me perfeitamente!!
Eu até o "muita louco" gravei!!! Foram lá boas bandas =)
Muita Louco...do que te foste lembrar :P
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