01 março, 2010

O que faz um bom guitarrista?


Aprendi a tocar guitarra com 10 anos. Como é habitual no ensino deste instrumento, primeiro aprendi guitarra clássica, para depois passar para a eléctrica. Nunca primei pela técnica ou pelo virtuosismo. Toco o suficiente para a música que faço. Ponto. Sempre menosprezei o virtuosismo pelo virtuosismo, a técnica pela técnica, como é apanágio de muitos músicos (e ouvintes). E nunca apreciei os chamados "guitar heroes". Por isso nunca gostei de Eric Clapton, Carlos Santana, Steve Vai, Joe Satriani, Jeff Beck, Stevie Ray Vaughan e afins. É certo que têm o seu lugar na história da música rock e da guitarra eléctrica, mas musicalmente dizem-me praticamente zero. É aqui que reside o fulcro da questão: posso reconhecer capacidades instrumentais e técnicas num guitarrista mas não me identificar, de todo, com a sua música. De resto, esta premissa é válida para muitos outros instrumentistas e intérpretes.
Aos tecnicistas ferozes, que debitam 30 notas diferentes a cada segundo (escalas atrás de escalas), prefiro sempre os guitarristas que fazem da guitarra um instrumento de combate sonoro. Guitarristas que dão mais importância à exploração tímbrica e rítmica do instrumento. Que abordam a guitarra com total emoção em detrimento da técnica. Guitarristas que preferem a subtileza e a simplicidade eficaz do que os solos intermináveis.
Bastam dois ou três acordes para fazer música interessante - depende é de como se utilizam e exploram esses acordes (o punk-rock é um exemplo). Neste capítulo, há melhores guitarristas do que os de blues? Bo Diddley, Buddie Guy, (o grande) Robert Johnson, Lightnin' Hopkins, B.B. King, Big Bill Broonzy, Johnny Lee Hooker, Muddy Waters. Todos os grandes guitarristas - do rock ao jazz - aprenderam com os mestres dos blues. Foram os verdadeiros visionários no dedilhar das cordas da guitarra, como se esta fosse a manifestação sonora da alma humana.
Na história do rock há um nome incontornável e decisivo: Jimi Hendrix, considerado por muitos o melhor guitarrista de sempre. Tinha técnica, é verdade, mas a sua mestria foi posta ao serviço de ideias musicais incendiárias e de formas de tocar revolucionárias. Os densos riffs de guitarra dos The Velvet Underground, as malhas noise de Glenn Branca, de Lee Ranaldo e Thruston Moore dos Sonic Youth, os primeiros The Jesus and Mary Chain, o inventivo The Edge (U2), o rítmico Dick Dale, os inovadores Robert Fripp, Fred Frith, Jim O'Rourke e John Fahey, o elegante Ry Cooder, ou os inclassificáveis Sunn O))) são apenas exemplos de guitarristas que tocam com o coração nas mãos. Com um estilo totalmente distinto da mediania dos guitarristas mundiais, "guitar heroes" incluídos.
A revista Rolling Stone, citada pelo site Hotguitarrist.com, lançou mais uma das suas habituais listas em que se seleccionam os 100 melhores guitarristas de sempre. A questão é que nunca se sabe quais os critérios destas listas: o que significa "melhor guitarrista"? Aquele que corresponde ao paradigma da capacidade técnica ou aquele que priveligia a criatividade e a inovação? Seja como for, subjectividades à parte, o certo é que o primeiro lugar é inquesionável: o guitarrista canhoto que um dia cantou "Hey Joe, where you're walking with that gun in your hand?".
Nota: na imagem Glenn Branca
Post de Victor Afonso

16 Comments:

At 2.3.10, Blogger Scapegoatt said...

Ultimamente tenho ouvido muito Eric Clapton, na era "Cream". Excepcional. A nivel de jam rock talvez do melhor que já se fez até hj.

 
At 2.3.10, Blogger Cleber Fernandes said...

Muito bunito o post, fico feliz em saber que existe pessoas no mundo que pensam como eu !

 
At 2.3.10, Blogger ::Andre:: said...

No geral, concordo com o teu ponto de vista e até me identifico nos teus gostos. Nunca tive pachorra para os Vais e também prefiro um músico mais emocional que técnico. Agora se o grande Hendrix foi o melhor de todos...

 
At 2.3.10, Blogger Sergio said...

Concordo que a técnica pela técnica não é a melhor forma de abordar a música mas é preciso dar mérito àqueles que conseguem, apesar da sua grande orientação técnica, transmitir-nos (pelo menos a mim) grandes sensações, pois por trás daquilo tudo está um trabalho enorme (é admirável ver, por exemplo, o John Petrucci a tocar, a sua entoação, a perfeita acentuação das notas nos devidos sítios, a capacidade de replicar ao vivo aquilo que faz em estúdio, o cuidado com que trabalha o seu som). Prefiro, assim, pensar a técnica como um recurso e não como a finalidade.



Apaixonei-me pela guitarra desde cedo e, após muitos anos de estudo/dedicação, consigo em cada dia descobrir novas coisas e ter entusiasmo para procurar/explorar novos sons e novas maneiras de exprimir aquilo que me vai na alma e de ser eu mesmo, de ter o meu som. Acho que é essa constante busca que pode fazer de cada um de nós um bom guitarrista, quer só consigamos tocar 1 nota por minuto quer 525.000. Outra coisa importante para ser um bom guitarrista é o saber estar numa banda. Desde o momento em que o seu som é uma perfeita simbiose com o total, até àquele em que assume o papel principal e nos brinda com inesquecíveis solos (veja-se o exemplo dos Mastodon que têm um trabalho de guitarra absolutamente fabuloso).


Jimi Hendrix conseguiu transformar a forma como abordamos a guitarra com os seus devaneios rítmicos invulgares e os seus solos explosivos. Continua a influenciar uma grande parte dos guitarristas do nosso tempo. Quando o ouço, penso sempre: este homem estava muito à frente do seu tempo... e do nosso.

 
At 2.3.10, Blogger ::Andre:: said...

Mas não é o único Sérgio, foi apenas um dos que explodiu (atenção: não lhe estou a tirar mérito nenhum).
Gostei da frase "técnica como um recurso e não como a finalidade"..

 
At 2.3.10, Blogger António M. Silva said...

nunca ninguém fala do harrison porquê? ah, victor e outros guitarristas, Howlin' Wolf? :p

btw, estranho o the edge aí. por mais que tente, não percebo o porquê do homem aí e noutras listas (bom, talvez porque não toque guitarra ;p)

 
At 2.3.10, Blogger Scapegoatt said...

O J. Hendrix foi um gênio incompreendido por mts naquele tempo pq de facto estava mt à frente de todos. Foi o primeiro. Só por isso o torna grandioso.

 
At 2.3.10, Blogger Scapegoatt said...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
At 3.3.10, Blogger Unknown said...

António: Howlin' Wolf foi grande, também. Não acho que o The Edge não toque guitarra. Gosto muito da técnica dele e da forma como retira sons com os efeitos com os quais trabalha. É um guitarrista mais rítmico do que solista, e isso também me agrada bastante.

 
At 3.3.10, Blogger ::Andre:: said...

Scape, o Hendrix foi o primeiro de quê?

 
At 3.3.10, Blogger Sergio said...

André, concordo plenamente quando dizes que não foi o único. Falei em Hendrix, no seguimento do post, porque deixou um legado importante Podia ter falado de muitos mais. Todos os dias ouvimos, felizmente, bons guitarristas, cheios de criatividade e talento.

 
At 3.3.10, Blogger Scapegoatt said...

André, quiz dizer que foi o primeiro grande guitarrista virtuoso a explodir no Rock. Não estou a contar com os guitarristas Blues, que foram obviamente a sua referencia musical.

 
At 5.3.10, Blogger ::Andre:: said...

Percebo o que queres dizer. Antes dele, e não mencionando os mestres dos blues, já haviam tipos como o Takayanagi a fugir ao classicismo técnico da guitarra e a abrir novos caminhos. Mas diz-me: o valor do Hendrix é válido pela sua qualidade ou é o maior por ter explodido no "mainstream"?

 
At 5.3.10, Blogger Scapegoatt said...

Essa pergunta é difícil de responder =) Eu não percebo nada de técnicas de guitarra, mas penso que talento não lhe faltava. No entanto tb é um facto que ele tinha uma imagem mt forte, que o ajudou a atingir o estrelato. Não era vulgar naquele tempo ver um guitarrista de cor assim, excêntrico, controverso, exuberante, e canhoto, a tocar daquela maneira tão estridente, pegando no Blues e acrescentando-lhe rebeldia. Talvez se influenciasse nos”The Who”. Eu acho que ele tem ligeiramente mais peso na historia do rock pelo facto de ter sido pioneiro na sua técnica, do que pelo seu talento. Dizer que é o melhor de sempre é muito discutível. Pessoalmente gosto mais de outros guitarristas que também surgiram nessa altura. Tenho ouvido mt Eric Clapton quando ele pertencia aos “Cream”, com aquele rock improvisado, verdadeiramente delicioso.
“driving in my car, smoking my cigar, the only time I’m happy´s
when I play my guitar……” - Cream

 
At 6.3.10, Blogger Filipe Palha said...

Victor, estava a falar de mim quando escrevi "porque não toco guitarra" :) o edge toca, sim. e ele sacava uns sons fantásticos nos 80's, mas acho que agora bate muito na mesma tecla... mas tem mérito, claro!

 
At 7.3.10, Blogger António M. Silva said...

assinado, antónio matos silva, tinha isto no user de alguém quando escrevi o post acima.

 

Enviar um comentário

<< Home