12 abril, 2010

Metade dos Suicide em entrevista

[Entrevista conduzida por Victor Afonso para a revista Mondo Bizarre, Junho 2005]

Os Suicide foram pioneiros na fusão entre o rock e a electrónica. Martin Rev (electrónica) e Alan Vega (voz) abriram uma ferida profunda na cena punk e pós-punk de Nova Iorque da segunda metade da década de setenta. O álbum homónimo, “Suicide”, obra-prima lançada em 1977, constituiu a machadada que quebrou a monotonia auto-complacente do punk e revolucionou a estética rock, à base de sons repetitivos e manhosos de um sintetizador velho de Rev e dos devaneios vocais de Vega. Energia, confrontação e revolta sem guitarras eléctricas fizeram do duo um dos mais originais e ousados grupos do pós-punk.
Ainda hoje inúmeros grupos e músicos reclamam o imenso legado dos Suicide. Mas os tempos são outros. Há muitos anos que Martin Rev se lançou numa carreira a solo, procurando, como refere nesta entrevista, um percurso distintivo e uma identidade musical própria. Tentou distanciar-se das referências estéticas dos Suicide, mas a inevitabilidade das conexões são mais do que muitas. E nem podia ser de outra forma, dada a ligação quase umbilical entre os dois músicos que constituem os Suicide.

Editou 7 álbuns em 25 anos de actividade musical a solo. Não se pode dizer que seja exactamente um músico muito prolífico. Como explica isso facto?
Não há grande coisa a explicar. Se estivesse ciente de como funciona todo o mecanismo destas coisas, provavelmente, diria até o contrário, mesmo se juntarmos os álbuns a solo, de grupo e os concertos. Durante muitos anos, naquele tempo, era impossível editar um disco a não ser que se tivesse um bom orçamento por parte de alguma editora. Quanto aos concertos era um pouco diferente, mas eram tão importantes como os álbuns. Por isso tínhamos de nos esforçar a fundo na questão da qualidade da música e no contexto em que ele era criada, em vez da simples quantificação de discos ou de edições.

O seu último álbum, “To Live”, foi editado numa pequena editora de Chicago chamada File 13. À primeira audição, ficamos com a impressão que o álbum respira o legado estético dos Suicide, mas depressa identificamos o seu próprio estilo e linguagem. Concorda?
Parece-me uma abordagem interessante. É claro que qualquer álbum a solo terá sempre algum tipo de referência aos Suicide, até porque sou a mesma pessoa. Mudar os elementos vocais acaba por tornar a minha música mais pessoal.“To Live” parece conter posições políticas bem vincadas.
Como encara a política e os políticos (não só nos EUA mas também no resto do mundo)?
Essa abordagem é ainda mais interessante. O álbum “To Live” não foi uma declaração política declarada, mas não posso negar que está lá. A forma como eu vejo o mundo acaba, de uma forma ou de outra, por se reflectir na minha música. E tenho tendência para expressar ideias políticas mesmo quando não tenho plena intenção disso. Não me interessam muito os políticos dos EUA ou do resto do mundo. Tal como muitos outros cidadãos, simplesmente reconheço o que parece estar justo e humano e o que não está, e aquilo que me parece honesto e o que é falseado. Tento vislumbrar para além do óbvio e isso nem sempre é fácil de conseguir. Parece-me que as prioridades políticas passam mais pela forma como se gere a ganância e os interesses, do que propriamente pelo bem comum do povo em geral.

Para além destas abordagens, é também verdade que não lhe interessa explorar o formato de canção pop.
Todas essas caracterizações são formas válidas de descrever, num certo sentido, alguns ingredientes da minha música. Mas eu não procuro intencionalmente essa fusão de elementos preconcebidos, ainda que possa começar com alguns desses elementos para dar início ao processo criativo. É tudo uma questão de saber como os sons certos e os valores musicais se encaixam e se digladiam durante o desenvolvimento criativo de um álbum. Quanto à questão do formato convencional de canção, devo dizer que está provavelmente certo quando refere que esse formato não está na minha mente no momento de fazer música. Não rejeito nada à partida, mas é natural que as velhas fórmulas dêem lugar a qualquer coisa de novo e refrescante. Normalmente, quando ouvimos algo desgastado pelas fórmulas do passado, sentimos que essas fórmulas se massificam de forma quase omnipresente. Donde, não tenhamos que ouvir sempre as coisas óbvias.

O que diria aos críticos que o acusam de ter um estilo vocal muito similar ao do Alan Vega nos Suicide?
Creio que há algumas similitudes dado que temos estado a trabalhar juntos há muito tempo, sendo natural que as ideias se misturem sem intenções. Ainda assim, há diferenças entre ambos. Temos qualidades vocais muito distintas, diferentes timbres e usamos as palavras de modo diferenciado. Nunca poderia cantar como o Alan Vega ou vice-versa porque temos posturas vocais e expressivas muito diferentes. O que pode causar alguma semelhança é o facto de haver em nós dois uma necessidade de cantar num género musical que requer uma determinada colocação de voz para as coisas funcionarem. Porém, o Alan utiliza muito mais palavras do que eu, e recorre a uma maior e diversidade se sons, de timbres e de recursos expressivos do que eu.

Os Suicide são uma das bandas consideradas mais influentes e seminais do rock dos últimos 30 anos. Neste sentido, propunha que fizesse um exercício retrospectivo na sua memória e recuássemos até aos finais da década de sessenta para recordar esses tempos.
Os últimos anos da década de setenta foram grandes anos tais como o são os de agora. Havia uma intensa cena de muitas bandas localizadas em Nova Iorque e, mais tarde, no Reino Unido.

E como foi reencontrar-se com Alan Vega para tocar novamente juntos em digressão durante o último ano?
Eu e o Alan não nos reunimos apenas no último ano para a digressão recente dos Suicide, temo-nos reunido sempre que possível desde que começámos a tocar juntos. Temos feito digressões com regularidade desde meados dos anos 80 e quase continuamente desde 1998. Pelo meio temos dado concertos em Nova Iorque e no resto dos EUA. Por isso, a sensação de me reunir com o Alan, acaba por ser a mesma boa sensação de sempre.A música electrónica é hoje uma imensa paleta de subgéneros e estilos.

Qual é exactamente a sua visão da música que se faz actualmente?
Não tenho propriamente uma opinião acerca da música contemporânea. Quando ouço alguma coisa, basicamente, interessa-me ouvir a forma de abordagem e descortinar como foram trabalhados os elementos musicais para chegar àquele determinado resultado. Utilizo este processo de análise em todos os géneros de música que ouço. Não procuro perder muito tempo em ouvir demasiadas coisas no propósito de aprender com elas só porque são contemporâneas, visto que já estou suficientemente imbuído na música contemporânea. Por isso procuro antes pesquisar trabalhos musicais de outros géneros distintos que possam, de facto, surpreender-me pelo seu lado misterioso e desconhecido.

Como é que habitualmente toca ao vivo? Está sozinho no palco acompanhado do equipamento electrónico ou convida músicos para o acompanharem ao vivo?
Estou aberto a todo o tipo de possibilidades quando actuo ao vivo, desde que me pareça uma solução apropriada, mas por agora – e devido a muitas razões de ordem musical e outras – costumo tocar sozinho.

5 Comments:

At 12.4.10, Blogger António M. Silva said...

clap, clap. ao victor, obviamente, e ao martin rev.

adoro suicide, o s/t é um amor, será sempre o amor. não me lembro de ouvir um álbum tão agridoce e tão variado em termos emocionais. curiosamente, nunca me arrisquei muito mais na carreira deles. há algum que aconselhes?

btw, a mondo bizarre ainda existe?

 
At 12.4.10, Blogger Unknown said...

Obrigado António.

Não, infelzimente a MB já terminou há uns dois três anos. E é pena...

A obra-prima absoluta, que para mim também é uma referência, é o álbum homónimo "Suicide". Nos anos seguintes limitaram-se a editar discos ao vivo, singles e um ou outro disco mais ou menos inspirado - "American Supreme" de 2002 até vale a pena escutar. Mas nada que se compare aos delírios geniais do primeiro disco.

 
At 13.4.10, Blogger Unknown said...

Curioso, ainda há pouco estava a ouvir a cover do Bruce Springsteen em "Dream Baby Dream".

 
At 13.4.10, Blogger António M. Silva said...

tenho que dar uma escuta a esse então, obrigado pela dica victor.
e o "suicide" é realmente qualquer coisa.

pena que a revista já tenha acabado, é menos uma com que posso sonhar a vir escrever um dia :| lol

 
At 13.4.10, Blogger ::Andre:: said...

A Mondo Bizarre era uma revista tão porreira que ainda as tenho lá em casa, dava gozo lê-la.

Desapareceu há três anos, mas podemos continuar a ler os ex colaboradores como o Victor nos seus blogs e outras zines e publicações.

 

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