No céu tudo é perfeito
Enquanto a eternamente prometida cinemateca não chega ao Porto, resta-nos, fora do atraente e monopolizado circuito Centro Comercial, iniciativas como esta da Medeia Filmes no Teatro Campo Alegre que consiste em projectar clássicos na tela a preços simpáticos. Depois de Hitchcock, Welles e outros mestres, o primeiro filme de sempre do único David Lynch: Eraserhead. Já o conhecia, é um dos meus realizadores preferidos, mas ver um filme na tela é ter o mp3 e querer o vinil.
As obras de arte são fáceis de ignorar à primeira vista. Algumas estão tão à frente do seu tempo que só a passagem do mesmo as ajuda a serem apreciadas. Por vezes são precisos anos e anos, alterações culturais e estéticas até que as pessoas, na sua generalidade, estejam prontas a recebê-las. Um filme como Eraserhead é uma dessas obras e só podia sair da sua cabeça. Descrito numa frase apenas diria que é uma neurose paranóica, abstracta e surrealista a preto e branco sem uma narrativa convencional e com uma banda-sonora industrial que não passa despercebida. No entanto, descrevê-lo é inútil.
Imagino as críticas em ’77, imagino. Imagino a frustração geral, as pessoas precisam de explicações e significados e Lynch nunca deu respostas. Eu não vejo o cinema dessa maneira, não o vejo como algo que precisa de ser compreendido mas sim interpretado. É uma das razões por gostar tanto dos filmes dele: inspirado pela overdose de sinapses cria sempre o ambiente ideal, o resto é connosco.
Depois de ter ganho reconhecimento com os seus primeiros trabalhos e popularidade sobretudo com Twin Peaks (o próprio Kubrick inspirou-se em Eraserhead para Shining), Lynch manteve-se fiel à sua arte e recusou franchisings de grandes orçamentos. Na arte não há nada como ser-se verdadeiro e íntegro. O seu único defeito, tal como Jarmusch, é fazer-nos esperar demasiado pelos seus novos trabalhos. Ah, e a todos os pais aí desse lado: se não o virem nunca saberão responder aos vossos filhos quando vos perguntarem de onde e como são feitos os lápis.
14 Comments:
Nunca prestei muita atenção ao "catálogo" do Sr. Lynch.
Vou começas já hoje com esta Eraserhead.
Thanks André!
Com calma.. Ou tens disponibilidade mental ou vais achar estranho e aborrecido. Depois deste vê um The Elephant Man ou The Straight Story para apreciares uma nova face e não percas clássicos como o Velvet Godlmine, Inland Empire (o último), Lost Highway e, claro, o Mulholand Dr. Se ficares tão fã como eu vais acabar por comprar o livro dele - Em Busca do Grande Peixe - que por altura do natal estava na Fnac a uns 5 euros...
Vamos ver, normalmente vejo o catálogo por ordem cronológico. Depois deste Eraserhead vou tentar ver The Elephant Man.
Obrigado man, são sempre bem recebidas as tuas recomendações cinematográficas.
Eu recomendaria em primeiro lugar o Wild at Heart. :D
Como é óbvio, em cima não é Velvet Goldmine mas sim Blue Velvet.
She wore blue velvet
Bluer than velvet was the night
Softer than satin was the light
From the stars
She wore blue velvet
Bluer than velvet were her eyes
Warmer than May her tender sighs
Love was ours
Ours a love I held tightly
Feeling the rapture grow
Like a flame burning brightly
But when she left, gone was the glow of
Blue velvet
But in my heart there'll always be
Precious and warm, a memory
Through the years
And I still can see blue velvet
Through my tears
Wild at Heart é tão chungosamente fixe, quero um casaco daqueles!!!
como eu gosto de Lynch e como gosto do livro que me deste André! :)
"Imagino a frustração geral, as pessoas precisam de explicações e significados e Lynch nunca deu respostas. Eu não vejo o cinema dessa maneira, não o vejo como algo que precisa de ser compreendido mas sim interpretado." - CORROBORO!
Jack Nance was a super actor and a gentleman.
Tive a oportunidade de ver o Eraserhead no Bragashopping, numa daquelas sessões de culto (ainda existem?).
Fiquei arrebatado, apesar de estar consciente de que não absorvi nem metade do filme.
Lembro-me de que fiquei fascinado pela banda sonora. Extremamente minimalista, à base de ruído. Tornava o ar espesso, impenetrável, quase impossível de respirar.
Faltou mencionar o Dune, que juntamente com o Inland Empire são para mim, os filmes menores do David Lynch. Este último uma seca de 3 horas.
Para mim o Inland Empire é um dos melhor do Lynch....
...muitíssimo longe do fraco Dune...
Concordo com o Luís, Diogo. O Dune foi um tiro ao lado, já o Inland Empire uma viagem à lá Lynch. É a tal questão da disponibilidade, não vale a pena insistir se não estamos praí virados.
"Extremamente minimalista, à base de ruído. Tornava o ar espesso, impenetrável, quase impossível de respirar."
É isto mesmo, Daniel!
Próxima iniciativa do TCA:
Praticamente desde o início da história do cinema que este se tornou objecto de atenção, diríamos mesmo de fascínio, dos poetas. Um fascínio que se tornaria recíproco. Consta que Pessoa ia ao cinema (e até escreveu Quatro Argumentos para o Cinematógrafo*), Almada era um grande entusiasta, tal como Régio e Casais Monteiro, e escreveram vários textos críticos. Mas de que forma penetrou o cinema na poesia portuguesa? Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós e Rosa Maria Martelo organizaram a antologia POEMAS COM CINEMA, acabada de publicar pela Assírio & Alvim, que reúne 92 poemas de 53 poetas portugueses, dando relevo à cumplicidade entre estes e o cinema, como referem no prefácio ao livro.
Com uma “montagem “ original, a antologia leva-nos do fascínio da sala escura (“Não se vai lá em busca de catarse directa mas de arrebatamento, cegueira, transe. Vão alguns em busca de beleza, dizem.” Herberto Helder, “Cinemas”), à evocação de filmes e géneros, à celebração de cineastas, actores, personagens, ou ao modo como o fazer do cinema se entrecruza com o fazer da poesia.
Na senda, para usar as palavras de um título de Ruy Belo, do trabalho interdisciplinar que sempre desenvolveu, a Medeia Filmes, em colaboração com os organizadores da antologia, o Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e a editora Assírio & Alvim (e o apoio da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Agência Curtas e Antena1) organiza o ciclo POEMAS COM CINEMA, que terá início, já esta quinta-feira, 13 de Janeiro, às 18h30, no Teatro do Campo Alegre, com o lançamento do livro. A sessão contará com a participação dos organizadores, dos poetas Manuel Gusmão e Manuel António Pina, com leituras de Ana Luísa Amaral e Daniel Jonas e a exibição da curta-metragem CINEMA, de Fernando Lopes. O ciclo prossegue nas quatro terças-feiras seguintes, ocupando o horário das “Terças-feiras Clássicas do Teatro do Campo Alegre”, com a exibição de 4 filmes escolhidos a partir da extensa lista de filmes falados nos poemas do livro: L’ATALANTE / O ATALANTE, de Jean Vigo; BRONENOSETS POTYOMKIN / O COURAÇADO POTEMKINE, de Serguei Eisenstein; SUNSET BOULEVARD / CREPÚSCULO DOS DEUSES, de Billy Wilder; VAI E VEM, João César Monteiro.
*Fernando Pessoa, Courts-Métrages: Quatre Arguments pour le cinématographe, (trad. Patrick Quillier), Chandeigne, Paris, 2007.
TEATRO DO CAMPO ALEGRE
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