13 maio, 2010

Jean-Luc Guionnet

Foi com grande surpresa que constatei a presença do duo Jean-Luc Guionnet (FR) / Seijiro Murayama (JP) no recém-anunciado cartaz do Jazz ao Centro 2010 a ter lugar no final de Maio e início de Junho, como sempre, em Coimbra. O Esquilo tinha trazido este preciso duo para uma série de 3 concertos em Portugal no final de 2007 – e se os concertos do Porto e Lisboa não correram da melhor forma devido, na minha opinião, à desapropriação dos espaços onde tiveram lugar à música criada, já o concerto em Barcelos (organizado com os amigos da Zoom), no claustro do Museu de Olaria, foi sem dúvida um dos mais marcantes e interessantes da história do Esquilo. Foi um concerto polarizador dividindo as opiniões e levando a reacções tanto de introspecção como de exaltação.




A música deste duo habita um limbo próximo do quase-silêncio onde tons contínuos emergem lentamente e de forma intervalada do saxofone de Guionnet – percorrendo de forma quase imperceptível o espaço circundante e envolvendo gradualmente o público – e padrões repetitivos e suaves vão nascendo da bateria de Murayama. Tudo isto carregado pelos momentos prolongados de silêncio (que se acumulam nas ressonâncias da sala) onde se retém a memória auditiva fantasmática (ou se “sente” o decaimento infinito) do que circulava antes e se vive a tensão daquilo que está para vir. Tal como no teatro Noh japonês, onde o mínimo movimento mais marcado transporta a carga dramática de um Evento, o mesmo acontece na música de Guionnet / Murayama onde certos sons quebram o frágil equilíbrio mas adquirem uma ressonância simultaneamente inesperada e catártica. Não admira que a maioria dos concertos deste duo aconteça em templos e igrejas (o concerto em Coimbra ocorrerá no Mosteiro de Santa-Clara-a-Velha). O primeiro e único álbum (Le Bruit du Toit [Xing Wu, 2007]) foi precisamente gravado num templo shintoista no cimo de uma montanha japonesa. Não se pense pelo que foi dito atrás, que a música de Guionnet / Murayama tem algo de gravidade cerimonial ou de monótono-repetitivo – muito pelo contrário, é dinâmica e rica e tem também, concerteza, o objectivo (ou efeito) de nos abrir os ouvidos e apurar a percepção (para essa riqueza).




E serve também este post para chamar a atenção para o músico Jean-Luc Guionnet – que se tem vindo a tornar num dos mais importantes e inventivos praticantes e pensadores da música improvisada contemporânea. Apesar de trabalhar principalmente o saxofone em contextos acústicos e outros mais próximos do free jazz também tem explorado a electrónica e o órgão de tubos (quem se pode esquecer do maravilhoso concerto de órgão na igreja do Bom Jesus da Cruz, em Barcelos, durante o Festival Dínamo, em 2008 – ou mesmo dos outros dois concertos, no mesmo festival, em que participou: o trio desvairado e confrontacional com Taku Unami e Mattin e o belo trio com Masahiko Okura e Ko Ishikawa, ambos no saxofone). Define a sua própria música como uma distribuição de formas, musicais e não só, no tempo e no espaço, como experiência de teste à realidade mas também na redefinição do corpo pela interacção com o ambiente puramente físico (e o duo com Seijiro Murayama é um dos melhores exemplos de tal). Estudo estética com Xenakis na Sorbonne – interessa-se pela parte conceptual e filosófica por detrás da improvisação e do som (leia-se por exemplo o ensaio que escreveu sobre “O Ruído de Fundo”). Toca em mil e uma formações (Hubbub, Téphras, Quatuor de Saxophones – que esteve no Jazz em Agosto de 2009 –, Synapses, Phéromone, e a lista continua) que vão desde o free-jazz a cair mais para o swing até abstracções electroacústicas radicais. E vai mantendo colaborações fixas com alguns músicos – Seijiro Murayama já foi mencionada – mais notavelmente com Eric La Casa (têm vários trabalhos conceptuais de instalação, e também vários discos editados, que revolvem à volta dos sons privados, domésticos, ou gerados em tais situações, e sons de espaços públicos ou música aí criada – por exemplo, no metro de Paris – redefinindo a maneira como olhamos (ouvimos) tais espaços e problematizando as linhas de tal separação). O site dele é o seguinte: http://www.jeanlucguionnet.eu/

Para concluir tiro então o chapéu à organização do Jazz ao Centro por tão arriscada (mas sem dúvida convidativa) proposta. A não perder, dia 4 de Junho, no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. O cartaz completo do festival pode ser visto aqui: http://www.jacc.pt/noticias.php?id=557

1 Comments:

At 13.5.10, Blogger ::Andre:: said...

Eu tiro o chapéu à Esquilo que sem apoios ou patrocínios organizou um dos festivais mais interessantes em que já marquei presença: esse mesmo Dínamo.

Quanto ao Guionnet, foi nessa altura em Barcelos que tive o primeiro contacto com ele.

Estava à espera do cartaz do Jazz ao Centro, dos concertos ao cinema tem sempre qualidade. Alguém me arranja esse doc sobre o Albert Ayler?

 

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