09 setembro, 2010

Sob esta enorme cúpula II




Como se fosse possível viver numa realidade realista? Aquilo a que chamariam de cruel mas verdadeiro, quase cru. Conseguiria um ser humano percepcionar toda a realidade em toda a sua grandiosidade e em toda a sua pobre pureza contaminante? Não uma mentira conveniente, uma vida agradável, um logro que nos fizesse sentir melhor até ao fim dos nossos dias? Toda a gente sabe que a justiça não funciona. Descreditamos os valores morais. Acreditamos no jogo. Um grande Jogo. Um daqueles Enormes que nunca sabemos quando acaba mas subconscientemente o seu fim ocupa-nos o espírito e afastamos esse pensamento espásmico como quem sacode uma mosca. Temos medo da morte. Por isso construímos altares. Elevamo-nos. Tentamos chegar mais que a nossa altura. Se calhar fomos longe demais. O que me fascina na ostentação humana repugna-me na sua enorme ilusão: uma brincadeira de homens sérios (de um carrinho de brincar a um "belo" descapotável). Erguemos andares acima da nossa capacidade de julgamento.

Tamanho mundial é algo que desconhecemos. A maioria das pessoas não sonha com a quantidade fantástica de pessoas que existe por esse mundo fora. Alguns em detrimento de todos: uma lei de sobrevivência. Uma selva portanto. Na sua génese uma selva adornada pelo efeito Humano, pelo Controlo e pela Vantagem. Depois desta fórmula resta-nos a realidade, imaginamos como será na sua totalidade; demoramos uma vida a descobrir as suas nuances, desacreditamos o que fizemos pois saber não é sabedoria, descobrimos sempre mais, volta a um jogo, um puzzle sem encaixe realizável, engraçado mas imprevisível dentro de pequenos limites. Se pudéssemos nascer de olhos abertos como seria? Seria este mundo? Com certeza não sei. Que seria diferente não tenho dúvidas mas a sua idealização parece irrealizável. Afinal tão pouco. Sei que a esperança humana não está aqui incluída. A sociedade leva-nos ao niilismo. Vivemos num niilismo controlado, um niilismo liberal mas estanque, mutável mas nunca original. Porque para nós é demasiado, estamos cansados de tanta merda que necessitamos de expurgar de diversas maneiras aquilo que achamos de errado: somos animais de lutas onde há instinto e razão. Brincamos em conversas sérias a nossa seriedade, aguentamos tempo, temos tempo, sabíamos que poderíamos ser essenciais mas escolhemos, sem querer, não o ser: adaptamo-nos, somos razoáveis. Demasiado razoáveis.

Sentimo-nos menos que um deus e morremos a viver nessa dúvida. Remediamos. Pouco. Quase a acabar. Como quando sentimos que nem sequer escolhemos viver. Mas no fundo só nos resta isso: viver. Resta pouco que é fim inalcançável, em nuances de traços ainda mais difusos (sem nome, por inventar, futuristas portanto): e pouco em muito, diluições de essências, pouco por muito. O sono permite-nos o descanso desta realidade. Em totalidade seriamos uma nulidade anulada pelo excesso. Pouco. Afinal muito pouco. Uma réstia e uma côdea. A sopa: pouco e muito. Somos cegos visuais por condição, por inapetência e inépcia; e pela obrigatoriedade indivisível da condição humana. Tentamos ser deuses temporários e portanto deturpamos o sentido da divindade: adaptamo-nos, sobrevivemos em tudo e em nada: e somos tudo – a memória é a única coisa que existe.