O Medo Oriente [Link Para as Galerias Abaixo]
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Qual é a primeira coisa em que pensas quando alguém te fala no Médio Oriente? A sério, sê lá sincero contigo e comigo,... ninguém ouve os teus pensamentos... Bombas, pessoal a explodir, a rezar trinta horas por dia, a enforcar gays, a apedrejar infiéis? Se calhar. Espero que não mas receio que, pelo menos para uma parte de vós, assim seja.
Basta fazer uma pesquisa, escrever “Médio Oriente” no google português, clicar em imagens e, a par de mapas aparecem alguns burros e camelos, uma foto de mísseis, uma caricatura do Jesus a falar de paz, uns tropas americanos, duas fotos de tanques, uma caricatura acerca da morte de civis na luta ao terrorismo, um dragão a cuspir fogo (!) e outros cenários de guerra. Não estou numa posição que me permita dizer que isso é tudo treta, sou só um gajo que anda aí dum lado p’ró outro. Mas estou numa posição que me permite levantar o dedo do meio a esta propaganda ou, pelo menos, exagero de contaminações. Por contaminação falo do grande hobby da humanidade que é o da generalização. Um preto faz merda em terra de branco, os pretos são maus, maus. Um parente decide rebentar-se lá ao fundo, longe longe, morrem trinta pessoas num país com cento e setenta milhões, e eles são uns terroristas de merda que não têm respeito pela humanidade. Detesto isto. Mas detesto mesmo. Pá não é um sentimento que dá muito jeito, esta raiva por quem decide tomar o caminho mais fácil e deixa a ideia de um povo ser contaminada pelas acções de alguns. Não é um sentimento confortável porque gera revolta e a vontade de mudar o mundo, tarefa que não é fácil fácil...
Atravessei o Médio Oriente à boleia, primordialmente. Estou, de momento, no Paquistão, um país que não pertence a esta região, mas que também faz o coração do pessoal bater forte só de pensar em visitar tais terras. E confesso que há coisas por que passei que são terríveis, sendo a pior delas ter de cagar à caçador, e outra o facto de não poder beber um finório sempre que me apetece. Terrível a VIDA de um ocidental por estes lados, terrível...
Desci a Turquia e entrei na Síria. Passei só umas horitas porque estava a caminho do Líbano. Não queria levantar guito porque não valia a pena. Dirigia-me para um sítio qualquer que mais me conviesse para boleiar, e um grupo decidiu ajudar-me. Passei meia hora nesta cidade e em meia hora um grupo de pessoal abordou-me e ofereceu-se para me pagar um táxi para um sítio onde depois me pudesse pôr a caminho do Líbano. Uma vez na estrada, apanhei uma boleia que me deixou às portas do próximo país. O parente não falava uma palavra de inglês, mas deu-me cigarros, café e oito pacotes de bolachas, em vez de me levar para casa e exigir um resgate.
No Líbano sente-se a tensão no ar. É impossível, literalmente, não ver um gajo armado num sítio qualquer. Problemas com Israel, uma guerra ainda fresquinha e os milhões de buracos de bala em tantos edifícios a disso nos recordar. Passei aí quatro ou cinco dias, saí de Beirut, dar uma volta fora da cidade, tudo tranquilo. Quando bazei do Líbano apanhei boleia de um táxi para a fronteira Síria. Daí até Damasco fui, também à boleia, com uns gajos que traficavam qualquer coisa – pagavam a cada guarda uma quantia qualquer, na fronteira, e quando lhes perguntei porque o faziam, disseram que “o nosso trabalho é impossível”. Ok, ok.
Na Síria tive oportunidade de conhecer o medo que os locais têm de quem os governa. O medo das pessoas que contaminam as mentes ocidentais – por cometerem atrocidades, por não terem respeito pela liberdade e individualidade dos seus cidadãos fazem com que o ocidental preguiçoso pense que toda a gente segue os passos dos seus líderes, nem sempre democraticamente eleitos. Da Síria boleiei até ao Curdistão Iraquiano. Aí sim, não pude ir a Bagdad, onde certamente correria perigo mas onde igualmente, estou certo, há muito boa gente que não tem culpa do que se está a passar, e que não tem de ser condenado, julgado ou gozado, por gostar lá do Alá. Isto dito por alguém que está tudo menos amigo de conceitos como “religião”. Passei uma semana no Curdistão Iraquiano e não gastei um cêntimo – não me deixaram. Fui recebido de braços abertos por famílias que me puseram comida na mesa três vezes por dia e tudo o que eu poderia desejar, incluíndo esta ou aquela burraxeira à beira-lago a ver o pessoal a dançar, celebrando o ano novo.
Daí passei para o Irão. Cheguei com vinte dólares, que tinham de dar para dez dias neste país, sendo que cartões VISA não funcionam por aqueles lados, devido às incompatibilidades deste governo com os nossos governos. No meu último dia iraniano, antes de seguir para o Paquistão, tinha vinte e sete dolares. Atravessei o país à boleia, comi e dormi em casa de simpáticas famílias que fizeram tudo para me agradar, ainda que não partilhando nenhuma língua comigo, e fiz amigos espontâneos na estrada – mais uma vez pessoal que não falava nenhum inglês, mas que me convidaram para sua casa, me deram vodka caseiro iraniano e cenas que tais, e que no dia seguinte me pagaram a viagem até ao Paquistão.
No Paquistão senti um choque maior, ao início. Achei-me tão estúpido por estar um pouco apreensivo. A cena que eu critico estava a acontecer comigo – estava com dificuldade em descolar estes proconceitos. Na verdade, não interessa, sendo que isso não influenciou as minhas acções em nada, mas ainda assim foi algo que achei interessante, apesar de estúpido. Fui um bocado chulado na fronteira, pagando um preço inflaccionado pelo meu autocarro, mas são cenas que acontecem. O pior é que isso fez com que, passados dez minutos de entrar no país, tivesse três euros na mão. Não sabia se dava para levantar dinheiro neste país, e não sabia como me ia safar nessa noite. Mas conheci um rapaz de quem me tornei amigo. Deu-me chá e bolachas para matar o rato no estômago e depois deu-me mil rupees (oito euros, catorze por cento do salário mínimo) para eu me safar nessa noite, tomar o pequeno-almoço no dia seguinte e procurar um multibanco. Acabei por encontrar um multibanco, graças a Alá!
Reparei de imediato nas semelhanças entre este país e a Índia, e por isso não foi com grande espanto que descobri que, até 1947, eram um só país. Tal como na Índia, o caos, barulho e poluição são brutais, mas tendo-me habituado a isto, estou a curtir estar aqui. Todos os dias me perguntam se sou muçulmano, e quando digo ser cristão (não me apetece dizer que sou ateu ou agnóstico) não fogem de mim. Quase todos os dias aparece alguém que me quer dar comida ou pagar um chá.
Bem, e como deu para ver, entreguei-me aos elementos e à bondade de terroristas muçulmanos e não me aconteceu nada. Não acho que seja um sortudo, é simplesmente a maneira como as coisas correm por estes lados. É importante, acima de tudo, nunca esquecer que um não são “uns”, que por algumas coisas acontecerem em determinadas terras isso não caracteriza uma população. Na mesma linha, a nossa televisão joga um papel determinante. A melhor maneira de entender o que se passa, é ir ver. Falhando isso, não julgar.
Da mesma forma, é importante separar o governo das pessoas. No Irão, por exemplo, há práticas e leis abomináveis para nós, ocidentais, como o uso obrigatório de lenço na cabeça para a mulher, a falta de liberdade de expressão, a “inexistência de homossexuais”, o facto de um filho não ficar com a mãe mas com a família do pai no caso da morte deste, entre tantos outros exemplos. Contudo, toda a gente que conheci se insurge contra isto, novos ou velhos. Mas não conseguem fazer nada sem ir visitar o Maomé. É o governo, como disse nem sempre democraticamente eleito, que toma estas acções e acaba por desvirtuar um sistema que deveria ser justo e livre.
Claro que ao leres isto, lê-lo na internet, um meio de comunicação em si, e por isso se digo para não te acreditares piamente no que vês na televisão ou jornais, seria hipócrita pedires para acreditar em mim.
Mas para lá da crença, há a sugestão do raciocínio crítico. Não aceitem nada de mão beijada, pensem em que vos transmite a mensagem, tentem ver para lá do óbvio, e assim, quem sabe, estarão mais perto da verdade.
13h36-3ª-18-4-11
Lahore, Paquistão
3 Comments:
Muito bom Pedro.
Lindo fdx. Por aqui India e Nepal em Agosto ;)
"A melhor maneira de entender o que se passa, é ir ver."
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