Uma das coisas boas de viajar é voltar a casa com saudades. Do que cá tinha ficado e do que se ficou a conhecer.
Ainda mal me recompunha do prazer e da honra que foi recebermos a excelente pessoa que dá pelo nome de Scott Michael Kelly e já apanhava o avião para realizar outro sonho: Nova Iorque.
Antes de mais, e perdoem-me a paixão se às vezes falo de mais, mas a todos os que foram ao concerto, e porque sem vocês nada somos, guardem os vossos bilhetes para o dia em que trouxermos os Neurosis a Portugal. Julgamos que esse dia já esteve mais longe e, mesmo sem nada garantirmos, nunca escondemos o desejo e o trabalho constante de forma a concretizarmo-lo. A todos vocês que marcaram presença, vocês serão recompensados nem que seja com um simples poster. Mas serão, a vossa companhia tem sido fundamental e prazerosa.
Voltando à grande maçã, não me vou alongar pois a melancolia nostálgica cair-me-ia em cima. Já todos lá estivemos mesmo sem lá estar e vocês entendem o que quero dizer. São as referências cinematográficas em cada esquina, as canções, os livros… Chamem-lhe a capital do capitalismo pois não é mentira nenhuma embora só alinhe quem quiser. Concordem com Bautrillard quando este fala em prostituição de parede a parede ou na intensidade turbulenta das ruas nova-iorquinas. Sublinhem até quando diz que é uma cidade onde os loucos foram libertados. Mas façam-no quando lá estiverem pois eu pouco me importei de ser mais um, mais um louco que deambulava nas avenidas sem fim num ritmo único tal e qual um tema de jazz. Digam o que disserem, e felizmente já estive em alguns sítios marcantes para poder comparar, mas apesar de loucos, e ao contrário do que se pensa, a malta é genuína e solidária. Não é americana, a cidade é mesmo de todo o mundo. Aliás, a cidade é um próprio mundo.
E porque é sobretudo pela música que nos juntamos aqui e porque de outra forma estas linhas não chegariam se partilhasse tudo o que vivi, destaco as experiências musicais:
Joe McPhee com Chris Corsano na sala de John Zorn – The Stone – cujo espaço intimista é ponto de encontro de melómanos que desembolsam 10$ por concerto (às 20h e 22h), muitos sem saberem ao que vão. Éramos uns 50. E quem encontrei eu a fazer bilheteira? Toby-Kayo-Dot-Driver. É verdade, até em Nova Iorque o mundo é pequeno… Set interessante, mais experimental do que há um ano atrás onde os vi em Santiago de Compostela. Foi um concerto de apresentação ao debut do duo – Under a Double Moon – se bem que por política da casa não houve/ há merch à venda, não há bebidas e quase que cadeiras para toda a gente. Há música, só música num pequeno rectângulo numa esquina de Lower East Side sem qualquer indicação à entrada. Joe McPhee não se esqueceu de dedicar o concerto a Ornette Coleman que no dia seguinte fazia 81 anos. Eu não me esqueci de agradecer ao próprio Joe e ao Corsano por uma noite tão especial. Três blocos depois estava no hotel.
Do outro lado, também a uma curta caminhada mas já em plena Village, ficava o (le) poisson rouge onde os Liturgy me arrasaram completamente. Muito mais instrumental do que o esperado, creio que não é por acaso que uma Thrill Jockey assina uma banda de Black Metal (embora seja redutor etiquetá-los só como). Foram caóticos duma forma bem densa e complexa, intensos do início ao fim onde só entre temas se respirava. O som estava perfeito perfeito, mas foram aqueles temas a darem-me a energia necessária depois de um dia esgotante. Energia essa que se transformou em aborrecimento assim que os The Ex subiram ao palco. Poderá parecer dicótomo, mas adoro os guitarristas da banda noutros projectos e até relembro este, mas a banda em si, mesmo que bem recebida numa cidade que até foi fundada pelos holandeses, cansa-me, os seus temas cansam-me.
Para terminar, não um concerto mas uma experiência multissensorial tão ou mais interessante: a Dream House de La Monte Young e de Marian Zazeela situada em Tribeca que não é mais que uma instalação de tempo medida por uma configuração de frequências contínuas de som e luz. O tema de LMY é um drone que contém 32 frequências diferentes em que podemos e devemos ouvi-las e senti-las caminhando entre as duas salas que são separadas por um estreito corredor no terceiro andar de um prédio. Cá fora passa completamente despercebido. Cada frequência tem os seus próprios pontos de ressonância e não ressonância em todo o espaço (pontos de intensidade e suavidade) e assim que deixamos o calçado no hall e entramos naquele espaço em memória e homenagem a Pandit Pran Nath (um pseudo-altar também por lá se encontra) devemos “passear” para experimentar as mais baixas cujo comprimento é longo para sentir a sua diferença ou apenas relaxar sentado ou deitado fazendo pequenos movimentos com a cabeça para apreciar a diferença nas maiores. A sua mulher, Zazeela, tratou da luz e das esculturas. O objectivo, ou um dos, é experienciar os dois meios como um só. Enfim, só experimentando e fica aqui a sugestão.
Antes de mais, e perdoem-me a paixão se às vezes falo de mais, mas a todos os que foram ao concerto, e porque sem vocês nada somos, guardem os vossos bilhetes para o dia em que trouxermos os Neurosis a Portugal. Julgamos que esse dia já esteve mais longe e, mesmo sem nada garantirmos, nunca escondemos o desejo e o trabalho constante de forma a concretizarmo-lo. A todos vocês que marcaram presença, vocês serão recompensados nem que seja com um simples poster. Mas serão, a vossa companhia tem sido fundamental e prazerosa.
Voltando à grande maçã, não me vou alongar pois a melancolia nostálgica cair-me-ia em cima. Já todos lá estivemos mesmo sem lá estar e vocês entendem o que quero dizer. São as referências cinematográficas em cada esquina, as canções, os livros… Chamem-lhe a capital do capitalismo pois não é mentira nenhuma embora só alinhe quem quiser. Concordem com Bautrillard quando este fala em prostituição de parede a parede ou na intensidade turbulenta das ruas nova-iorquinas. Sublinhem até quando diz que é uma cidade onde os loucos foram libertados. Mas façam-no quando lá estiverem pois eu pouco me importei de ser mais um, mais um louco que deambulava nas avenidas sem fim num ritmo único tal e qual um tema de jazz. Digam o que disserem, e felizmente já estive em alguns sítios marcantes para poder comparar, mas apesar de loucos, e ao contrário do que se pensa, a malta é genuína e solidária. Não é americana, a cidade é mesmo de todo o mundo. Aliás, a cidade é um próprio mundo.
E porque é sobretudo pela música que nos juntamos aqui e porque de outra forma estas linhas não chegariam se partilhasse tudo o que vivi, destaco as experiências musicais:
Joe McPhee com Chris Corsano na sala de John Zorn – The Stone – cujo espaço intimista é ponto de encontro de melómanos que desembolsam 10$ por concerto (às 20h e 22h), muitos sem saberem ao que vão. Éramos uns 50. E quem encontrei eu a fazer bilheteira? Toby-Kayo-Dot-Driver. É verdade, até em Nova Iorque o mundo é pequeno… Set interessante, mais experimental do que há um ano atrás onde os vi em Santiago de Compostela. Foi um concerto de apresentação ao debut do duo – Under a Double Moon – se bem que por política da casa não houve/ há merch à venda, não há bebidas e quase que cadeiras para toda a gente. Há música, só música num pequeno rectângulo numa esquina de Lower East Side sem qualquer indicação à entrada. Joe McPhee não se esqueceu de dedicar o concerto a Ornette Coleman que no dia seguinte fazia 81 anos. Eu não me esqueci de agradecer ao próprio Joe e ao Corsano por uma noite tão especial. Três blocos depois estava no hotel.
Do outro lado, também a uma curta caminhada mas já em plena Village, ficava o (le) poisson rouge onde os Liturgy me arrasaram completamente. Muito mais instrumental do que o esperado, creio que não é por acaso que uma Thrill Jockey assina uma banda de Black Metal (embora seja redutor etiquetá-los só como). Foram caóticos duma forma bem densa e complexa, intensos do início ao fim onde só entre temas se respirava. O som estava perfeito perfeito, mas foram aqueles temas a darem-me a energia necessária depois de um dia esgotante. Energia essa que se transformou em aborrecimento assim que os The Ex subiram ao palco. Poderá parecer dicótomo, mas adoro os guitarristas da banda noutros projectos e até relembro este, mas a banda em si, mesmo que bem recebida numa cidade que até foi fundada pelos holandeses, cansa-me, os seus temas cansam-me.
Para terminar, não um concerto mas uma experiência multissensorial tão ou mais interessante: a Dream House de La Monte Young e de Marian Zazeela situada em Tribeca que não é mais que uma instalação de tempo medida por uma configuração de frequências contínuas de som e luz. O tema de LMY é um drone que contém 32 frequências diferentes em que podemos e devemos ouvi-las e senti-las caminhando entre as duas salas que são separadas por um estreito corredor no terceiro andar de um prédio. Cá fora passa completamente despercebido. Cada frequência tem os seus próprios pontos de ressonância e não ressonância em todo o espaço (pontos de intensidade e suavidade) e assim que deixamos o calçado no hall e entramos naquele espaço em memória e homenagem a Pandit Pran Nath (um pseudo-altar também por lá se encontra) devemos “passear” para experimentar as mais baixas cujo comprimento é longo para sentir a sua diferença ou apenas relaxar sentado ou deitado fazendo pequenos movimentos com a cabeça para apreciar a diferença nas maiores. A sua mulher, Zazeela, tratou da luz e das esculturas. O objectivo, ou um dos, é experienciar os dois meios como um só. Enfim, só experimentando e fica aqui a sugestão.
6 Comments:
Falar de NY não é fácil. NY é uma cidade de sensações, sensações essas que podem ser aquelas que quiseres sentir... e estão por toda a parte.
Desde a sujidade e podridão nas estações de metro; a cada passo na Ponte de Brooklyn; às cores de Times Square; à grandiosa St. Patrick´s Cathedral; à esperança do Ground Zero; à imponente Statue Liberty; à futilidade da 5ª avenida; aos passeios pelo Central Park; à grandiosidade do MOMA; à mistura de cheiros e sabores pela cidade...
É preciso sentir esta cidade.
Eu senti-a? E tu?
Eu não a senti...ainda. Conto um dia :)
Nota-se mesmo que escreves com o coração, André. E por isso gosto muito de ler os teus textos. :)
NY é sonho meu, também. Espero um dia chegar lá. :)
Fui a NY ainda adolescente, em 97. Quando aterrei no aeroporto JFK, assim que me sentei no primeiro táxi, quis logo voltar para casa, foi uma sensação tão estranha. Ao segundo ou terceiro dia não queria voltar, lembro-me como se fosse hoje, e olha que a minha memória não vale nada. Que nostalgia. Manhattan cheira a jazz, também a punk. A loucura da 5th Avenue, os prédios que envolvem a pista de gelo em Bryant Park, os donuts recheados com os cremes mais fixes do mundo, o central park com crentes fervorosos a pregarem o evangelho, as twin towers, quando ainda existiam, a estátua da liberdade (NY Harbor) - subi até à coroa quase que me senti a cair com a agressividade do vento, a Virgin de Times Square, o museu da Imigração na ilha Ellis, as unhas de algumas mulheres com tamanhos exorbitantes decoradas com todas as cores e desenhos. Os polícias como tal vemos nos filmes. Finalmente, a amizade inesperada de um agente de viagens com quem o meu pai conversou, depois de umas horas ficaram tão amigos. Chegaram a trocar as próprias gravatas em tom de irmandade, no final convidou-nos para um jantar animado. Por incrível que pareça sempre que NY me vem à memória vem inevitavelmente o suicídio do grupo Heaven's gate, quando lá fui estava sempre a dar essa notícia na tv. Que experiência! André a vossa rota foi muito bem pensada :)
Adoro os teus textos André :)
Tiago, claro que vais chegar lá :)
Deixem-me só acrescentar que enquanto partilhava estas linhas confirmava com o Corsano se o Thurston Moore tinha estado lá ou não. Parecia-me ele, estava um pouco à minha frente, mas ao mesmo tempo era meio inacreditável. Assim que o set acaba a audiência tem que sair para dar lugar à próxima e entre o acender das luzes e a saída não consegui confirmar. Enfim, sublinho o que disse: até em Nova Iorque o mundo é pequeno...
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