26 fevereiro, 2010

Choosing Death



Pensava eu que tinha deitado dinheiro fora (o outro livro mais conhecido da Feral HouseLords of Chaos - descamba várias vezes para as chachadas filosóficas do Varg em cerca de 1/3 das 390 paginas, e perde demasiado tempo, a meu ver, em entrevistas onde todos dizem essencialmente as mesmas coisas), mas, após percorrer este calhamaço que hoje aqui submeto à vossa apreciação, constato que a história da ascensão, queda e ressurreição do death metal e grindcore foi (e é), na realidade, algo de especialmente complexo e orgânico.

É uma história que se estende por ambos os lados do Atlântico e do Pacífico, na América, Inglaterra, Brasil, Japão, Polónia e Suécia (só para citar alguns dos países que geraram contribuintes para a definição destes géneros), mas foi a partir de meados dos anos 70 - desde que o punk inglês descobriu as possibilidades do DIY e que labels independentes se multiplicaram como cogumelos - que a música underground (de qualquer natureza), teve as suas sementes dispersas mais longe do que nunca, despedaçando o domínio das grandes editoras. Ora o death metal e o grindcore levaram - ou mais propriamente, afundaram - o significado de underground a outro nível completamente diferente; assim como o hardcore americano e o punk dependiam de circuitos locais de salas para trazerem as suas bandas às audiências, também o death metal dependeu do tape trading, penpals e conhecimentos mútuos: se não fosse por estes, o death metal e o grindcore não teriam chamado a atenção de público, labels e músicos, e, por várias ocasiões, se lê neste livro como o músico X finalmente arranjou uma demo da banda Y pelo amigo da banda Z, vendo de repente diante dos seus olhos novos caminhos para a sua própria arte, evidenciando assim a influência mútua que certas bandas tiveram em outras.

Este é em grande parte o conto de uma geração muito específica de músicos que cresceram no heavy metal tradicional, thrash e speed metal, punk, industrial e hardcore, absorvendo livremente a partir de todos esses géneros, e que procederam a devastar o mundo entre aproximadamente 1988 e 1993. Muitas bandas anteriores a esse período poder-se-iam gabar de terem influenciado o death metal com formas primitivas, ora seja o deathgrunt de Tom G. Warrior dos Celtic Frost ou a brutalidade e velocidade do thrash dos Slayer. Mas este livro não é sobre eles, nem aspira a ser ser. Os Possessed podem ter sido os primeiros a usar o próprio termo “death metal” e produzido um dos mais influentes álbuns para a génese do estilo (Seven Churches (1985)), mas esta também não é uma biografia de Possessed; contudo, todos estes indubitáveis padrinhos estão aqui devidamente mencionados. O foco desta obra é sobre os músicos sempre intermutáveis nos promíscuos lineups de bandas como Napalm Death, Death, Morbid Angel, Carcass, Obituary, Deicide, Entombed e Cannibal Corpse - todos estes foram descritos como os pesos pesados do género vezes sem conta em zines de todo o mundo, e isso é correcto: eles são e foram as bandas que iniciaram a loucura em massa que envolveu e propeliu o death metal.
Mesmo os obcecados pelo género descobrirão dentro deste livro factos que desconhecem sobre pessoas sobre as quais leram inúmeras entrevistas; encontrarão também alguns personagens de que provavelmente nunca ouviram falar, reminiscendo sobre amizades e feudos previamente desconhecidos, e descobrindo uma ou duas surpresas no que toca a social networkings inesperados.

Desde o seu auge no princípio dos anos 90 que o death metal voltou ao berço que o alimentou - o underground - muito contribuindo para isso a popularização do black metal escandinavo que surgiu sensivelmente a meio da década, agarrando manchetes e tempo de antena pela sua extremidade extra-musical, mas, sem death metal ou grindcore, o black metal provavelmente jamais teria existido. Até ao final da década partes dos dois estilos convergiram num género comum de metal extremo. Bandas como Emperor, Vader ou Akercocke devem tanto ao death metal como ao black metal, mas isso não é ainda tudo o que o death metal ofereceu ao mundo nos últimos anos. Não só o género lançou novas bandas bandas - como os Nile - tão boas quanto os seus antepassados clássicos, como também se infiltrou em todos os outros estilos de heavy metal e rock underground e mainstream.

A influência duradoura e a contínua vitalidade da cena death metal e grind deve-se, sobretudo, ao poder da sua música...muito antes de as tácticas "shock and awe" se tornarem um slogan para bombardear cidades de volta à Idade da Pedra, já o death metal e o grindcore estavam empenhados numa corrida às armas para produzir a música mais rápida, mais pesada e mais brutal do planeta (os apelidos de bateristas como Mick "Human Tornado" Harris dos Napalm Death e Pete "Commando" Sandoval dos Morbid Angel dizem muito sobre a sua habilidade), e foi esta ferocidade que marcou o género, não a letra, atitude ou aparência. O extremismo do death metal e grindcore encontra-se resumido nos vocais desumanos, guitarras a moer e blast beats viciosos, não em qualquer ideologia política ou religiosa. E, em contraste com o black metal ou o hip-hop, nenhum músico death metal ainda chegou a matar outro, mesmo que alguns deles o tenham veementemente desejado a certa altura.

Ana-Maria cheia de graça

Numa das rapidinhas anteriores cheguei a mencionar que Ana-Maria Avram, esposa do mestre Iancu Dumitrescu, é tão musicalmente interessante como o seu marido. Nascida a 61 e também romena, Ana-Maria é uma compositora que também está associada ao espectralismo.

O espectralismo ou a música espectral, criado em França nos setentas, baseia-se sobretudo numa ideologia de composição que aceita que os sons são objectos vivos que experienciam o seu nascimento, vida e morte. Tecnicamente, é uma corrente caracterizada por sistemas complexos de composição em que os intervalos podem ser divididos em quartos ou três/ quartos de tom em vez dos usuais meios-tons.

Se a divisão dos sons tem que se lhe diga este género musical ainda mais e é preciso ir lendo tudo o que há por aí para se ter uma ideia da complexidade do espectralismo. De qualquer maneira, e porque este é um tópico de devoção à Avram, fica a sugestão de espreitarem obras como Axe for Cello and Percussion, a incrível vocal Archae, a 24 de Sacrae Lamentationem, Orbit of Eternal Grace…

Não é música consumível, exige mente aberta e disponibilidade, mas como já o disse a recompensa é enorme.

Cafe Oto

Seis vezes. Já não chegam os dedos duma mão para contar as minhas idas a Londres e no entanto nunca fui ao Cafe Oto. Não é que este espaço seja muito antigo, por acaso até abriu em 2008, mas a sua programação já me levou a colocar na "priority list" numa próxima ida À cidade. Ele é residências do Brötzmann ou Otomo Yoshihide, concertos quase diários de Evan Parker a Svarte Greiner passando por Josephine Foster, James Blackshaw, Ken Vandermark ou o Paal Nilssen-Love… um gajo até pode jantar por lá e ficar para o concerto.
A última newsletter que recebi dá conta da presença do duo Joe McPhee & Chris Corsano e este é mais um dos concertos que tenho na minha lista como obrigatórios. Não, ainda não será no tal Oto, mas será na primeira parte de Mono no concerto de dia 11 em Santiago. Depois conto-vos como foi…

http://www.cafeoto.co.uk/

Red Sparowes agora com uma menina

Josh Graham abandonou o barco há uns tempos, mas os Sparowes já têm um novo elemento: Emma Rundle. Que mais têm em comum? Ambos vieram a Portugal via Amplificasom. O Josh duas vezes com os seus ASOL, a Emma acompanhou os Isis. Novo tema (o álbum está quase a sair) aqui.

25 fevereiro, 2010

A sul da fronteira a oeste do sol

Interessante ver abordagens escritas diferentes, que partem da música para chegarem a outras histórias. Já aqui foi referido o blog do Alex Ross, Unquiet Thoughts , que cumpre quase o papel de historiador e antropólogo quando escreve os seus posts musicais. Ontem quando acabava o livro "A sul da fronteira a oeste do sol" do Haruki Murakami, fui procurar a música que se torna central no romance e que era referida desta forma:

"....-É muito bonita, sim, mas não só. Também é uma melodia muito complexa. Uma pessoa dá-se conta disso, ao ouvi-la muitas vezes. Não é qualquer músico que a consegue tocar - disse eu. - Duke Ellington e Billy Strayhorn compuseram-na há uma quantidade de tempo. Em 1957, se não estou em erro.

- "Star Crossed Lovers" - referiu Shimamoto - quer dizer o quê?"

- Quer dizer amantes nascidos sob uma má estrela. Amantes infelizes, desafortunados. É esse o significado em Inglês. Trata-se de uma referência a Romeu e Julieta. Foi escrita por Ellington e Strayhorn para o Shakespeare Festival de Ontário. Na gravação original, o sax alto de Johnny Hodges fazia a parte de Julieta e Paul Gonsalves, no sax tenor, o de Romeu."

Ouvir

Já reservaram/ compraram?

RUSSIAN CIRCLES
16 de Março, terça
Plano B
21h30 (portas)
10€ (pré-venda)/ 12€ (porta)

Últimas reservas: amplificasom@gmail.com
Bilhetes à venda nas lojas Louie Louie, Lost Underground, Jojo's e Piranha.

Secção de Tauromaquia, a(ssa)ssina a Canavilhas

Não hesito em roubar o tópico ao Victor Afonso (será convidado em Março) sobre esta medida ________ (leiam e insiram o objectivo correcto, eu não encontro) da nova ministra da Cultura. As palavras abaixo são do jornalista Manuel António Pina.

"Só nos faltava esta: uma ministra da Cultura para quem divertir-se com o sofrimento e morte de animais é... cultura. Anote-se o seu nome, porque ele ficará nos anais das costas largas que a "cultura" tinha no século XXI em Portugal: Gabriela Canavilhas. É esse o nome que assina o ominoso despacho publicado ontem no DR criando uma "Secção de Tauromaquia" no Conselho Nacional de Cultura. Ninguém se espante se, a seguir, vier uma "Secção de Lutas de Cães" ou mesmo, quem sabe?, uma de "Mutilação Genital Feminina", outras respeitáveis tradições culturais que, como a tauromaquia, há que "dignificar".
O património arquitectónico cai aos bocados? A ministra foi ali ao lado "dignificar" as touradas. O património arqueológico degrada-se? Chove nos museus, não há pessoal, visitantes ainda menos? O teatro, o cinema, a dança, morrem à míngua? Os jovens não lêem? As artes estiolam? A ministra foi aos touros e grita "olés" e pede orelhas e sangue no Campo Pequeno. Diz-se que Canavilhas toca piano. Provavelmente também fala Francês. E houve quem tenha julgado que isso basta para se ser ministro da Cultura..."

A guitarra do Rob-Lichens-Lowe

24 fevereiro, 2010

Adoro quando ressonas

Estava à procura deste disco da dupla Mats Gustafsson & Paal Nilssen-Love e no blog que o encontrei tinha o seguinte comentário: "plesae STOP all illegal actions..... Its great when people are into the music..... but not in this way. plesae! / mats gustafsson"
Eu sei que esta conversa já tem barbas, mas se não fossem os downloads provavelmente não teria discos nem ia a concertos destes músicos. Por outro lado, imagino o que é estar na pele deles onde investem tempo, dinheiro e talento em algo e depois encontram-no banalizado pelas internets. Sobre este assunto, pergunto-vos: o vosso copo está meio cheio ou meio vazio?

Erik Satie dixit


"The musician is perhaps the most modest of animals, but he is also the proudest. It is he who invented the sublime art of ruining poetry."

No blog com... vocês todos

Já lá vão uns meses desde o último "No blog com...", creio que foi com o Eugene Robinson. Antes dele, nomes como Aaron Turner, James Plotkin, Stephen O'Malley ou Stephen Kasner responderam às nossas perguntas, mas agora está na hora de algo diferente, de vos perguntar a vós. Aqui vai:

1) O que roda no teu leitor de cds/ mp3?
2) Último álbum que compraste?
3) Último concerto?
4) Último filme que viste?
5) Livro na tua mesinha de cabeceira?

23 fevereiro, 2010

El juego

Segue em baixo mais um joguinho do costume (que se chama joguinho do costume pois nunca ninguém sugeriu nada melhor). Cada imagem representa uma banda. 3 pontos para as respostas correctas e 1 para as erradas mas criativas.

12 3 4 5 6 7 8 9 10

22 fevereiro, 2010

Peorth - Fortune Presents Gifts Not According To The Book (Dead Can Dance)

Descobri os Dead Can Dance - este album em particular - na mesma altura em que se fez um certo clique que me levou pelos fascinantes (e por vezes tortuosos) trilhos das Artes Herméticas e relacionadas.

Recordando, foi uma altura bonita da minha vida.

E bonita é esta música também.

Canta o Brendan que a Sorte nos presenteia de um modo nem sempre justo, ou da melhor maneira; a runa Peorth trata destes assuntos precisamente, dos da Sorte.

O significado do seu nome ainda é matéria de debate, sendo que o mais aceite aponta para um copo ou taça usada num jogo de dados - possivelmente refere-se ao jogo katrutafl, a adaptação germânica do jogo romano duodecim scripta, um jogo muito similar ao gamão moderno.

O jogo era uma actividade muito séria para as gentes da altura, pois a Sorte - ou mais exactamente a hamingja - era um reflexo não só do destino individual traçado pelas nornas, mas também de uma espécie de repositório colectivo (do clã, da aldeia, tribo, etc) que podia ser aumentado ou diminuido de acordo com as acções levadas a cabo por cada indivíduo desse mesmo colectivo.

Assim, ter azar ao jogo era fatalmente sinónimo de fazer parte de um colectivo desvirtuado ou abandonado pelos deuses.

Snorri Sturluson descreve em detalhe (na Edda em Prosa) o Valhalla e como os Einherjar (os caídos em batalha que aguardam junto de Odhin pelo Ragnarokr) passavam os dias a combater uns contra os outros enquanto que, à noite, celebravam comendo, bebendo e jogando.

O poema rúnico Anglo-saxónico diz o seguinte sobre esta runa:

"Peorth is always play and laughter
Where warriors sit boastful
In the beer-hall together."

Estas imagens dos guerreiros que juntos combatem e jogam faz-me pensar que a Peorth é uma metáfora para as probabilidades na vida.

Num jogo podemos ganhar ou perder e, igualmente, numa batalha, vencer ou ser derrotado.

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Brendan Perry estará a solo em Portugal nos próximos dias 14 de Março em Lisboa, no Santiago Alquimista e em Braga, no Theatro Circo, no dia 15.

What is Rock?

Estava hoje a ouvir isto quando constatei que, não obstante todas as razões que levam à impopularidade a que os Turbonegro estão votados - nomeadamente o seu aspecto e conteúdos líricos mais galhofeiros - sucede eles colocarem efectivamente uma pergunta válida, e, a meu ver, importante, à qual dão a sua particular resposta.

Remontemos, se não se importam, a alguns anos atrás, ao começo da minha adolescência, e seja-me permitido falar muitas vezes em meu nome pessoal. Este Eu, justamente acusado de impertinência em muitos casos, implica contudo aqui uma modéstia que me insere dentro dos limites mais estritos da sinceridade (a pôr à prova dentro de momentos).
Então, há cerca de 14 anos atrás, houve uma grande excitação em minha casa. Um CD que, sem darmos por isso, tinha vivido muito tempo entre as prateleiras de seus semelhantes na loja de música que havia dentro do Continente de Matosinhos tinha, como que por milagre, encontrado o seu caminho para as minhas intrigadas mãos. Talvez fosse a tipografia empregue no seu frontespício, talvez fosse a simplicidade negra do design, mas o certo é que AC/DC parecia-me um nome intrigante para uma banda, e, por isso, pedi à minha renitente mãe para o juntar ao carrinho de compras.
Quando cheguei a casa coloquei o dito a tocar e quando se ouviram os primeiros acordes da Back in Black, a pouco e pouco formou-se dentro de mim uma aparição estranha que se fez corpo, figura. Esta aparição definiu-se por: 1) um acaloramento geral, 2) uma verbalização de "Mas o que é isto???", e 3) uma prodigiosa erecção.
Mais do que a nefasta entumescência e os aumentos de volume que se verificaram a cada posterior audição da supre-citada obra musical (e subsequente caos caseiro), tinha presenciado um novo Deus, a guitarra eléctrica a destilar puro rock, rock badalhoco, rock simples e eficaz que não era em nada os Beatles dos vinis que tinha. O Manel Cruz descobriu que o Amor dá-lhe tesão, eu tinha descoberto que, a mim, era o rock.
Não se riam, a ninguém custará confessar tudo isto, com excepção daqueles para quem a música não é uma volúpia.
Indagando então acerca destes efeitos fisiológicos e no que constitui efectivamente uma banda que se diga de rock, elaborei os seguintes axiomas que, atenção, não pretendem de todo ser leis finitas...apenas food for thought.

Observação I – O efeito

O rock pode comparar-se às musicas de transe que só atingem o seu verdadeiro significado na realização de uma forma precisa. O rock aspira a colocar o ouvinte num estado específico em que o corpo passa a desempenhar um papel essencial. É o corpo que afinal produz a música, a recebe e lhe responde; é o corpo que liga os sons, a dança, a moda e o estilo ao encontro inconsciente da sexualidade e do erotismo.
É a faculdade que uma banda tem de gerar uma resposta corporal que o faz classificar-se como rock (isto não implica, contudo, que uma escuta distante e unicamente intelectual, não seja conveniente e não nos informe sobre esta música alguns dos seus aspectos).

Observação II - Quebra com a cultura

O rock é uma musica de rebelião, mais precisamente de rebelião adolescente: da mesma forma que, no caso dos gregos, estavam sobre o signo de Ártemis aqueles que não tinham o seu lugar na comunidade e pertenciam portanto ao mundo selvagem, em desordem, que se situava fora dos muros da cidade; da mesma forma que o Walgänger de Ernst Jünger e Odin da mitologia nórdica recorriam às florestas para encontrar um espaço onde pudessem dizer “Não”, e assim adquirir um verdadeiro estatuto de rebelde; da mesma forma que um encontra na musica que ouve o espaco onde pode dizer “Eu não sou um dos vossos”. O rock apodera-se deste dito e dá-lhe uma existência musical (as letras em si não são fundamentais, o que conta é a arrogância, a provocação de que o próprio intérprete se torna o suporte). Esta rebelião, informulada ou formulada, não é outra coisa senão a aceitação, mesmo a reinvindicação de valores condenados pela sociedade: os excessos de todo o tipo.

Observação III – Forma e Feeling

Tomando em si próprio as formas do blues, portadoras em si próprias de excitação e mesmo de violência subjacente, completou-as de certa forma, assumindo o que elas diziam implicitamente. São frases de desprezo, com uma violência implícita, que acentuam não o objecto, ou seja, os destinatários da canção, mas o próprio desprezo, como uma mensagem de rebelião pura. É obsceno. Musicalmente revela-se precisamente pelo que parece excessivo ou aparentemente incontrolado: tensão nas vozes, urgência no canto, violência dentro e fora do palco, representada e vivida, e, por fim, transformação das funções instrumentais. O ritmo já não serve apenas para dançar, mas, despojando-se, visa suster e acentuar a carga e tensão emocional, a guitarra deixa o seu estatuto ritmo-melódico, serve para relançar constantemente a excitação, assume a agressividade, toca com distorção e com volume sonoro para levar o trecho ao êxtase. Catarse.
Um executante de música "clássica" é obrigado a dominar completamente o seu instrumento. No rock não é assim. O importante é ter técnica suficiente para entregar a sua própria mensagem. Claro que existem virtuosos. Mas nunca podemos desclassificar alguém que, apesar de ter uma técnica rude, possui, no entanto, dentro do que pratica, uma linguagem própria.
Não há um único amador que possa soar como Muddy Waters, mas isso não impede que as bases sejam facilmente assimiladas e que cada um esteja entregue à sua própria criatividade e aos limites que ela impõe, em vez de consagrar anos às ratoeiras e armadilhas da técnica – muitas vezes musicos que tentaram cativar o publico com uma grande orquestra ou aspiraram subir ao plano do virtuosismo não provaram nada mais que o desconhecimento do rock ou a sua cegueira.

Observação IV – Credibilidade

Será que a vida de um intérprete, o seu estatuto na “cena”, deve ser levado em conta na apreciação que fazemos da sua música?
O rock retirou muito do seu poder de fascínio pelo facto de ser uma “arte de rua”; transcrevo de The Electric Kool-Aid Acid Test:
“It once and for all put Kesey and the Pranksters up above the category of just another weirdo intellectual group. They had broken through the worst hangup that intellectuals know--the real-life hangup. Intellectuals were always hung up with the feeling that they weren't coming to grips with real life. Real life belonged to all those funky spades and prize fighters and bullfighters and dock workers and grape pickers and wetbacks"

Um verdadeiro intérprete rock tem de facilmente habitar uma forma ou um texto, de substituir a falta de credibilidade por uma tensão suplementar, nascida justamente da fé e sinceridade com as quais aborda uma canção. É por uma vontade de servir uma forma que lhe é a priori estranha, mas na qual se reconhece, que o artista se deve apropriar das palavras. Trata-se assim de assumir plenamente um grau que tantos outros evitam cuidadosamente através da paródia, da ironia, acentuando o virtuosismo. Esta deslocação de intenção é feita em detrimento da incarnação.
No entanto, a lacuna nunca preenchida entre o texto e a credibilidade que ele pressupõe, e a tentativa de a assumir plenamente apesar de tudo, torna emblemático e universal tudo o que a canção possui (urgência, violência, sofrimento…). Portanto a credibilidade tanto pode reforçar a anedota até um grau supremo e arrepiamo-nos com a palhaçada com que nos ultrapassa, ou a incarnação faz deslocar o interesse da anedota para o desejo e arrepiamo-nos com aquilo que afinal está próximo.

Observação V - Vivência

Tocar/ouvir rock toma por vezes o aspecto de uma “acção de graças”. Isto leva-nos a falar do tempo profano e do tempo sagrado. O tempo profano é o de sempre, aquele em que passado, presente e futuro estão bem distintos. Quanto ao tempo sagrado, abole presente e futuro a favor de um passado revivido. É o tempo das celebrações religiosas: uma eucaristia, uma actualização da cena revivida, no sentido forte do termo, pelos fiéis. Não uma comemoração, mas sim a presença de uma temporalidade bem definida: os gestos e as palavras do celebrante recriam literalmente o instante passado.
Ser implica uma iluminação original, um momento em que o ouvinte reconheceu na música uma forma sonhada, um instante fundamental. Pouco importa se foi a ouvir radio, ver televisão ou alguém a pulverizar uma guitarra à nossa frente num concerto. O que interessa é que tal momento tenha existido, que tenha havido subversão, um nascimento de outra consciência, uma passagem pelo “mundo das florestas” a que me referi na Obs II. É impossivel não ver então que um concerto pertence, nos seus melhores momentos, ao tempo sagrado. Efectivamente, serão estes os instantes em que o fantasma da audição gravada coincidirá por fim com a realidade, compreendendo o espectador intuitivamente que o artista revela então tudo o que tem em comum com ele.

O tombo da Relapse

Primeiro os Mastodon que não puderam recusar uma oferta da Warner, depois os Dillinger Escape Plan que insatisfeitos com a promoção ao Ire Works decidiram mudar de ares, agora os High on Fire que abandonam a sua casa de sempre para irem para a velhinha Koch... Estará a editora que este ano comemora vinte anos num processo de restruturação, com falta de visão ou basicamente já não está na moda?

Estás vivo Giuseppi!!!

Em 2008 falou-se que andaria por Nova Iorque, mas a verdade é que depois de tantos rumores ninguém sabia ao certo. Foi dado como morto, que esteve preso por tráfico de drogas, que era um sem abrigo, que andava a assaltar pessoas... O que quer que lhe tenha acontecido o que interessa é que é passado e ele está de volta aos discos 45 anos depois!!! Neste novo trabalho como The Giuseppi Logan Quintet é acompanhado por Dave Burrell, Warren Smith, Francois Grillot e Matt Lavelle, e é editado amanhã. Bem-vindo senhor!

Kylesa: reservas esgotadas/ bilhetes à venda

É isso, já não vamos aceitar mais reservas. Quem quiser ir ao concerto pode comprar o bilhete mágico (dos bonitos, claro) nas seguintes lojas: Lost Underground, Louie L0uie, Jojo's e Piranha.
Relembro ainda que as reservas têm que ser levantadas no dia e no local do concerto antes das 22h.

Fantas e tal

O pré-fantas começa hoje e eu tenho Medo, bastante medo. Não medo derivado da previsível e espectável capacidade intrínseca que algumas das películas em concurso terão para o provocar, mas medo que as sequelas que lá serão apresentadas fiquem bastante aquém dos primeiros tomos. Acredito que The Descent 2 e Rec 2 não surpreendam como os originais, mas espero que tenham conteúdo que justifique estas novas vidas.

Especial Amplificasom @ SWR 2010

Hélder Costa

20 minutes/ 40 years


Tendrils Extend from the cloudy black mass
They slither and slide through the ones and zeroes
Prophecy of collapse unfolds
Last grains of sand spiral down the hole
Chance has graced me with a gift
Grasp at gold before dark descends
Sun beats down and panic Reigns
In this time of ending
Eyes Shut, Feet bare
For this journey, I'm unprepared
I walk on
Sight Renewed
Seek New life
I seek New life
Walk
On
Seeking her the one
I wish to see
She wanders the outerlands
From the grasp of wolves I will pluck her
Twin arteries flow with the pulse
Of one mighty heart

21 fevereiro, 2010

Sourvein em Barroselas

Tinha eu decidido, a muito custo, não ir ao SWR Barroselas este ano e agora com esta lixaram-me bem. Tocam no primeiro dia do festival (30 de Abril), numa sexta feira. Jucifer, Birdflesh, Triptykon, Immolation, Black Bombaim tocam no mesmo dia, portanto se não estiver sem dinheiro, vou neste dia. Dia zero com Manatees e Battlefields de borla também é muito apetecível, mas calhando numa quinta feira, no can do.

Fica aqui o cartaz completo:

DAY 0 - thursday 29 april - 22:00 - free entrance
BATTLEFIELDS | USA
MANATEES | UK

DAY 1 - friday 30 april - 19:00 - 35€
IMMOLATION | USA
TRIPTYKON | Switzerland
ARCHGOAT | Finland
BIRDFLESH | Sweden
JUCIFER | USA
SOURVEIN | USA
ROSE FUNERAL | USA
INGESTED | UK
BLACK BOMBAIM | Portugal
MARTYR DEFILED | UK
KARNAK SETI | Portugal

DAY 2 - saturday 01 may - 15:00 - 38€
KREATOR | Germany
AURA NOIR | Norway
VOMITORY | Sweden
IMPIETY | Singapore
HAEMORRHAGE | Spain
SETHERIAL | Sweden
DECAYED | Portugal
GENERAL SURGERY | Sweden
MITHRAS | UK
TAINT | UK
CELESTE | France
MORTE INCANDESCENTE | Portugal
NASHGUL | Spain
TINNER | Finland/Sweden
BESTA BODE | Portugal
BIRTH SIGNS | Portugal
DECREPIDEMIC | Portugal

DAY 3 - sunday 02 may - 15:00 - 35€
DYING FETUS | USA
ORPHANED LAND | Israel
BENEATH THE MASSACRE | Canada
ZENI GEVA | Japan
MEN EATER | Portugal
MOURNING BELOVETH | Ireland
DEFEATED SANITY | Germany
PUTRID PILE | USA
KK NULL | Japan
PROCESS OF GUILT | Portugal
NESSERIA | France
CEREBRAL BORE | UK
CRYSYS | Spain
KRYPTOS | India
PRAYERS OF SANITY | Portugal
SUFFOCHATE | Portugal

20 fevereiro, 2010

Mircea Eliade Revisitado

No próximo dia 13 de Março Mircea Eliade, vulto incontornável dos estudos de Religião Comparada e Antropologia, celebraria o seu 103º aniversário - não sofresse ele daquela maleita que nos afecta a todos, a mortalidade.

A FLAC Produções em parceria com a Die Elektrischen Vorspiele decidiram assinalar a data organizando um simpático evento na Fábrica de Som.

Para além dos concertos de Wolfskin (e este é bem capaz de ser o último concerto deles), Stalker Vitki e Plateau Omega, serão projectados 3 filmes inspirados na vida e obra de Mircea: "Uma Segunda Juventude", "Domnisoara Christina" e "Eu Sunt Adam"

Pelo meio e após haverá animação musical (de maior ou menor grau) a cargo do Bilic, do Julius e do vosso caro redator representing pela Team Kali.

Sendo a um fim-de-semana e com um singelo custo de 5 aéreos, é de aparecer se não tiverem nada para fazer. Parece-me que só pelos concertos é capaz de valer a pena :)

19 fevereiro, 2010

Type Records - "Wolf Moon Mix"



Directamente do site da editora Type, um mix feito por Jefre Cantu-Ledesma (Tarentel/The Alps/Root Strata label)

A tracklist é de bom gosto:

01. Andrew Chalk – The Arkay Stream – The Cable House – Faraway Press
02. Scott Wells – Untitled (Day Song 4) – Day Songs – Root Strata
03. Grouper – Hold The Way / Pulse – Split W/ Roy Montgomery – No Label
04. Cloaks – Cycles (For Guitar) – Two New Pieces – No Label
05. Xela – The Sublime (Excerpt) – Digitalis (forthcoming)
06. Voice Of The Seven Woods – Breaking Moonlight – The Journey – Kning Disk
07. Mirror – Untitled – Visiting Star – Three Poplars
08. Kevin Drumm – Romantic Sores (edit) – Imperial Distortion – Hospital Productions
09. Grasslung – When We Were Young – Sincere Void – Root Strata
10. Earn – Folding Others – Person – Young Tapes

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Little Boxes

Tal como os tópicos com o título /\RTE servem para partilhar os cartazes mais bonitos que se fazem por aí, os Little Boxes serão dedicados à arquitectura. Adoro esta arte, a maneira como une e projecta a paisagem e o ambiente no qual habitamos é...arte. Segue em baixo um primeiro exemplo, partilhem outros também.






Ps: Algum arquitecto por aí?

Melvins em Madrid





Isto vem um bocado (muito grande) tarde, mas andei com preguiça de passar as fotografias para o computador e depois meteram-se os exames pelo meio.

Uma hora e meia de javardice. Uma hora e meia de clássicos. Uma hora e meia de Melvins. Foi pena o cancelamento de Porn e Big Business, parece que as outras datas europeias correram melhor, mas, verdade seja dita, eu não fui a madrid ver Porn e Big Business (também já tinha visto no ATP), portanto saí da sala Penélope de barriga cheia.

Um dos pontos altos foi sem dúvida a interacção entre o Dale e o Coady. Se no ATP estava demasiado longe (sou um bocado cega) para reparar, desta vez mal consegui tirar os olhos deles. Se em Kylesa for semelhante já sei para onde é que vou ficar a olhar o concerto todo (desculpa, Laura!).

Fica aqui um vídeo (incompleto, porque depois quis curtir) da Night Goat:

Jera e Eihawz - Searching For Substance (Cotton Ferox)

Não tenho mantido o ritmo de posts a que me tinha proposto e por isso, o meu pedido de desculpas; quando me lancei este desafio (que tem sido interessante a nível pessoal) não ponderei bem sobre as dificuldades que o mesmo acarretaria... fazendo uma auto-análise, reconheço que algumas das minhas entradas têm sido menos inspiradas, lamento.

Agora vamos ao que interessa, runas.

A runa Jera na sua abordagem mais directa relaciona-se com a altura das colheitas - lá está, a malta pagana desses tempos via nos ciclos da agricultura um micro-cosmos que explicava/racionalizava o macro-cosmos - logo, os seus sub-significados são aparentemente positivos.

Numa análise mais detalhada no entanto, ponderamos que as colheitas não são só um símbolo das coisas boas e bonitas, nem vamos logo fazer uma grande festa por isso.
Esta runa, falando-nos das colheitas, diz-nos que "colhemos o que semeamos"... o que nem sempre é bom.

Ocupa a 12ª posição na progressão linear do Futhark e liga-se assim, aos doze meses do ano e, pela mesma ordem, ao fim dos ciclos. Os fins, numa perspectiva pagã mais alargada, raramente o são e amiúde marcam somente novos começos.
Partindo desta premissa, a Jera alerta-nos para a necessidade de acumular o suficiente para esse novo começo que sucede as colheitas, o Inverno (um dia, quando escrever um tratado sobre as runas - :D - alargarei a questão do Inverno, hoje não). Quebrado o gelo, retoma-se a acção.

O movimento circular implícito na forma desta runa - o da ceifa, das estações, etc - apresenta-nos um outro grande símbolo, o do eixo e este, é a figura central da sua amiga próxima, a runa Eihawz.

Só a questão do eixo dava-nos material para uma grande grande grande conversa, pelo que a bem da sanidade, e paciência dos leitores, me vou cingir ao essencial.

A 13ª runa é a do Teixo (Taxus Baccata, a árvore mesmo), e o Teixo para os escandinavos era a imagem viva do sustentáculo do mundo, a Yggdrasill.

Se gostarem mínimamente de antropologia já se terão deparado com esta figura do eixo do mundo que por vezes é uma árvore, mas que também pode ser uma pedra (como bétilo dos Israelitas ou a Kaaba dos Muçulmanos, para referir umas famosas) ou uma conjunção de ambas. O próprio signo da Eihwaz é bastante esclarecedor, ao mostrar uma "ponte" entre o em cima e o em baixo (vide Tableta Esmeralda).

Em paralelo, o teixo é um símbolo poderoso da Morte, pois as suas bagas venenosas são conhecidas por já ter morto uns tantos. Paradoxalmente (ou talvez não) a casca do teixo tem aplicações medicinais entre as quais alguma relacionadas com a pesquisa da cura para o cancro e assim, assume uma figura de protecção.

Tradicionalmente os arcos eram fabricados com esta madeira - pela sua resistência e flexibilidade - conferindo ainda uma nova leitura dupla desta árvore fascinante: o arco mata mas protege.

Correndo um risco perigoso, o de relacionar runas com cartas de Tarot*, não consigo deixar de pensar na 13ª carta do Tarot que, já se adivinha, é a Morte, símbolo da transformação.

Subir a uma árvore é a iniciação xamanística mais comum transversalmente, seja na Sibéria, nos Estado Unidos ou onde existir um tamborzinho a tocar. E a iniciação, já se sabe, não é mais do que morrer para renascer numa nova realidade.

Este "Mistério do Eixo" que vos revelo (não se preocupem, não me levo assim tão a sério) tem um dos seus símbolos máximos naquele mal afamado símbolo que é a suástica e, olhando bem para estas nossas duas runas, não é difícil ver a sua grafia simbólica em ambas.

O eixo manifesta-se naquilo que Lao Tse descreve como o wei-wu-wei: a acção pela inacção.
De acordo com o velho alquimista e filósofo Taoísta devemos abandonar a acção determinada e a vontade férrea e deixar que a natureza guie de um modo espontâneo e eficaz o nosso comportamento. Nesta perspectiva, é fácil relacionar esta ideia com os conceitos "emanados" pela runa Raidho - digo eu, que não sou um runólogo profissional e como tal, desprovido de backup académico para argumentar com mais do que com a intuição.

"Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius." - "O que se encontra em baixo é o que se encontra em cima, e o que se encontra em cima é o que se encontra em baixo, para realizar os milagres da una coisa." (atribuído a Hermes)

Estes dois últimos parágrafos, concluo agora que os escrevi, se calhar contêm tudo o que há para saber sobre estas duas runas. Reflictamos sobre isto se assim o entendermos.

E acabou, entra a banda sonora agora :)

Searching For Substance é uma música de Cotton Ferox, cantado pelo Genesis P que neste album assume individualmente o estandarte dos habitualmente rockeiros Thee Majesty. Este registo não é nada rockeiro e, em boa verdade, nem sei bem porque o relaciono com estas runas.

A verdade é que a natureza paradoxal da sua letra, associada à figura do Genesis ilustra mesmo bem as ditas... não sei o que vos diga, deve ser mais uma daquelas tretas intuitivas. Isso e até tem uma suásticazinha na capa, é capaz de ter sido disso ;)

«(...)The end never comes - New beginnings appear
To those that wait - To the restlesss
For no reason - For no reason(...)»


*corro um risco porque o Tarot é normalmente associado a sistemas divinatórios e eu, pessoalmente, não entendo que as runas alguma vez tenham servido esse propósito. As fontes históricas fiáveis que possuímos (Tácito na sua Germania, por exemplo) relatam-nos que os bárbaros do norte usavam signos gravados em ossos ou madeiras como método divinatório mas, em lado algum, as identificam com as runas em si. Aliás, a tradição divinatória está ligada a uma certa sensibilidade feminina (não no sentido de género, entenda-se) e xamanística, estando os seus aderentes mais alinhados com a linhagem dos Vanir (usualmente ligados ao culto dos irmãos/amantes Frey e Freyja) do que com a dos Ases. Sendo que as runas foram "reveladas" pelo patriarca mor dos Ases, dificilmente se consegue aceitar que estas fossem conhecidas pelos Vanir antes da chegada dos Ases.
Esta interessante história dos Vanir vs Ases também dá direito a histórias sem fim que opto por não referir aqui para não maçar os meus amigos mais do que o estritamente necessário.
De qualquer modo, fica o comentário que também não vejo o tarot como um sistema divinatório em si, mas antes uma estrutura simbólica de cariz iniciático mais relacionada com a Hermética do que propriamente com a arte de adivinhar o futuro... é tão mais fácil analisar vísceras de pássaros para isso.

18 fevereiro, 2010

Mashup do dia: Vampiros, Religião, Filosofia, Cinema

Nestes dias em que a moda da dentuça resolveu de novo arreganhar a tacha com coisas tipo Twilight, Destino Imortal (este deu trabalho para encontrar), e estes tolos a terem voz na internet, resolvi mandar um dos meus renomados bitaites aqui no pasquim. Porquê? Porque sim. Agora cala-te e ouve. Ou então se calhar era melhor estar eu calado.
Sendo um gajo que do alto da sua provecta adolescência ainda insulta os bichos maus quando vê um filme de terror no cinema, mas que em casa ouve albuns onde descrevem de rigueur barbaridades várias gabando Satanás e dando jactância a seus mafarriquenhos feitos, resolvi reflectir em voz alta acerca do titulo em epígrafe.
Os filmes de terror violentos, daquele género sanguinolento e gore, com tripas e entranhas a voar por todo o lado, parecem-me de um gosto perfeitamente banal. Bem superior é o género de filme de vampiros que adopta um estilo à Alto Gótico psicológico; o estilo que parte do medievalesco Christabel de Coleridge e passa por Ligeia de Poe. Exemplos perguntam vocês? Posso dar alguns: Les lèvres rouges (1971), com elegantes vampiras lésbicas, Vampyr (1932) e The Addiction (1995), com a pequenina Lily Taylor a saltar ao cachaço do seu orientador de tese.
O Alto Gótico é abstracto e cerimonioso. O mal converte-se em fascínio hierárquico, entediado do mundo (veja-se a profusão de Confrarias proto-nobiliárquicas...quem não quer pertencer à Confraria das Tripas hm?). Não há lugar para a bestialidade. O tema é o poder ocidental erotizado, o fardo da história. The Hunger (1983), seria uma obra-prima do género, se não fosse arruinado por momentos já mais corriqueiros, como quando a Catherine Deneuve é posta a rastejar de gatas por todo o lado, babando-se sobre pescoços degolados. A carnificina não é propriamente o objectivo do vampirismo. O sexo – dominação e submissão – isso sim; todo e qualquer assunto de vampiragem devia ser delimitado por uma disciplina apolínea sob pena de se converter numa fantochada grosseira.
O filme de terror mediano contudo é anti-estético e anti-idealizante. O seu tema é o sparagmos, a energia de Diónisos. O filme de terror liberta as forças reprimidas pelo Cristianismo – o mal e o barbarismo da Natureza - os filmes de terror são rituais de devoção pagã. Neles, o homem ocidental confronta-se obsessivamente com aquilo que o Cristianismo nunca foi capaz de sepultar ou reabilitar. As histórias de terror que terminam com a vitória do bem já não são mais frequentes do que aquelas que acabam com a ameaça de regresso do mal (nem que seja para efeitos de lucro). A natureza, tal como os vampiros, não repousa no seu túmulo.
Os filmes de terror inundados de sangue menstrual e sujidade reflectem um tipo de sensibilidade anglo-saxónica, uma forma que o demasiado limpo protestantismo arranjou de se conspurcar a si mesmo. Há sempre uma mulher que morre aos pedaços. Nós cá em baixo, os Mediterrâneos, somos finos e já atribuímos essas deformações ctónicas a certos monstros femininos, como a Cila e à coitadinha da Medusa. Lá em cima, no Norte, onde são rotos e não batem nas mulheres a sério, o aviltamento do corpo está relacionado com gárgulas medievais, anões, duendes e trolls dos contos de fadas e mitologia nórdica. Os duendes representam uma espécie de evasão da crua realidade da natureza feminina.
Os filmes de terror insistem com mutilacões dionisíacas da figura humana, ou belos fenómenos epidérmicos – crostas, cicatrizes, inchaços... Os monstros dos filmes parecem cobertos de musgo e fungos. São tão cascudos e nodosos como troncos de árvores. O filme de terror utiliza a podridão como matéria-prima, uma podridão que faz parte do dissimulado anseio do Ocidente cristão por verdades pagãs. O filme de terror tacteia às cegas, e aquilo que procura, sem o saber, é o pântano da procriação, a matriz feminina. A natureza implica a dissolução, mas também uma fecundidade e uma grandeza cósmica. O filme de terror é filosoficamente incompleto porque também o Cristianismo é incompleto.
O paganismo clássico incluía uma visao mais abrangente do sexo e da natureza. Ao identificarem o sexo e a natureza com paz e amor, os liberais dos anos 60 deram origem à sadiana reacção do fim dos anos 60 e anos 70 – as produtoras começam a acrescentar sangue & xixa aos seus filmes e declinam no pântano do sexploitation.
Para acabar esta diatribe só mais um parágrafo de constatações: ter medo é ser passivo e masoquista e estar implicitamente num plano feminino. Representa uma submissão da imaginação a uma força esmagadoramente superior. Não é anormal que uma plateia de um filme de terror seja maioritariamente constituída por casais, cujos gritinhos durante o filme tem tanto de despertar sexual como de medo. O medo partilhado constitui uma transacção sexual fisicamente estimulante.
Digo eu.

Flores de Thurston Moore

O enorme Thurston Moore decidiu aventurar-se como blogger. Desabafos, comentários, memórias, fotos... é mesmo para seguir diariamente:
Flowers & Cream

O poster de ALTAR

André Coelho

Series

Que se vê por aí?

17 fevereiro, 2010

Foi o Neil Young o pai do grunge?

Ouço a Cowgirl in the Sand e imagino os Screaming Trees, ouço a Cinnamon Girl e vejo os Alice in Chains… Isto só para citar dois exemplos. Como é óbvio, não estou a sugerir nada mais que a própria pergunta, mas pensando a frio, não poderá ter sido o Senhor Neil Young e a sujidade das suas guitarras um dos responsáveis pelo nascimento do espectro popularizado sobretudo pelas bandas de Seattle?

O poster de MOTA

André Coelho

Eu recomendo: Lydia Lunch & Big Sexy Noise



Quem perdeu a oportunidade de ver a senhora aquando da sua passagem por Guimarães em Fevereiro de 2008 (e provavelmente foram muitos porque o São Mamede estava vazio), tem agora nova hipótese para mais uma submersão na lascividade e ruideira, obsessão e vício, a que a senhora já se habitou a liberar sob nossas pós-modernas cabeças. Desta vez vem acompanhada por 3/4 dos Gallon Drunk (enésima colaboração numa sempre mutável agitação interna), e, não fugindo muito à sonoridade habitual destes últimos, sempre poderemos assistir a um formato menos spoken word do que o habitual.

Aveiro - 18 Fevereiro - 8/10€ - Teatro Aveirense (é já amanhã!)
Lisboa - 20 Feveveiro - 15€ - Zé dos Bois

"There has to be something irritating within the music, no matter how much late night jazz I might want to spin on it"